A batalha de 6 de abril (artigo de Lauro Duvoisin)

7 de abril de 2018

 

Lauro Duvoisin, Consulta Popular

 

Estou certo que o dia 6 de abril de 2018 deixará uma marca profunda na nossa história política recente. O conteúdo desta marca é ideológico, e sua característica principal é a de fazer avançar, a força, uma nova estratégia para a esquerda brasileira.

Os eventos deste dia têm um forte conteúdo ideológico porque o seu principal efeito foi o de transformar a forma de ver e sentir a luta política brasileira, e a luta de classes que a fundamenta. São eventos que apontam uma transição porque representam mais um passo no processo de esgotamento de uma estratégia política definitivamente derrotada com o golpe de 2016. Para além de suas possíveis consequências imediatas, este dia já é uma vitória dialética do novo sobre o velho.

Lula, este extraordinário homem político, está mais uma vez no centro do abalo sísmico brasileiro. É uma figura que sofre agora seu segundo transformismo político, no sentido gramsciano do termo. O primeiro foi aquele que o tornou um presidente viável e palatável para a democracia autocrática brasileira depois de forjar-se como uma liderança sindical e popular no contexto de superação da ditadura militar. Tornou-se politicamente viável porque foi capaz de conciliar no interior das elites, comunicar com as massas e sintetizar em programa e mensagem este equilíbrio instável. Um momento marcante do primeiro transformismo de Lula pode ser encontrado na sua já famosa “Carta ao povo brasileiro” divulgada em 2002, nossa velha conhecida. Seu segundo transformismo político, ora em curso a se desenrolar sob nossos olhos, e para espanto de nossos inimigos de classe, é o inverso do primeiro: é agora um transformismo de superação da conciliação, que denuncia o conteúdo de classe do Estado e resiste de peito aberto a ele. Lula é de fato uma figura extraordinária.

Vivemos evidentemente o tempo em que o novo insiste em nascer e o antigo resiste a morrer. A figura de Lula carrega o peso do nosso processo histórico contemporâneo, dos impasses e descaminhos da luta de classes brasileira. É uma figura reveladora de todas as contradições dessa nova transição que estamos vivendo. A história é feita de continuidades e rupturas, uma e outra convivendo em permanente tensão. Lula é a síntese dessa dialética de continuidade e ruptura da luta de classes brasileira porque concentra, num só indivíduo, as contradições das mudanças históricas dos últimos 40 anos.

O indivíduo tem seu papel, mas são as forças coletivas da sociedade, que se forjam em vontade organizada, aquelas que determinam o curso dos eventos a médio e longo prazo. Do nosso lado da trincheira, as forças vivas vão mudando, forjam novos instrumentos de luta, aprendem, e ensaiam, de forma timidamente ousada, o assalto aos céus. Estando cercados pelas forças inimigas, num sopro de vida, surpreendentemente organizamos o cerco de nosso próprio símbolo, agarrando-nos ao peso do passado para parir, dele, um futuro até então improvável. Um assalto em parte desesperado, mas poderosamente simbólico, marca ideológica de novos caminhos para o futuro.

A nossa luta de classes, essa que contrasta os tribunais e as ruas, que apresenta-se contraditoriamente dentro da ordem, para logo em seguida ensaiar-se como luta fora da ordem, é a vitória da dialética da política. O novo insiste em nascer, mas o antigo resiste a morrer. Este é o momento atual, e daí vem toda sua beleza e força criativa. A marca no caminho está aí, forçando a história a dar mais um passo em direção ao novo. Não tenhamos medo. Contemplemos de frente essa bela criação que nosso sacrifício vai produzindo. Aí está, uma nova estratégia da esquerda vai sendo forjada, com sorriso e lágrimas, bem à nossa frente. Eis que fazemos história, mais uma vez, mas não sob as condições que escolhemos. Eis que a vontade de poder e todo o seu aprendizado vai renascendo e dá seus primeiros sinais de vida.