A chuva se espera do céu, as soluções se buscam na luta (seca no bioma Pampa, parte 4)
Movimento dos Pequenos Agricultores propõe novo levante camponês em defesa de pauta emergencial para atender as vítimas da seca e retomar o plano camponês
“Os governos só nos escutam quando a gente vai a luta”, relembra Adilson Schuch. “Já está na hora de olharem para o nosso povo, não apenas para socorrer nesse momento de dificuldade, mas para ajudar a construir um futuro”, ressalta Aguinaldo Silveira. “Vamos à luta, todo mundo precisa ajudar, aí as coisas vão acontecer”, conclama Mário Luis Ribeiro. Os três dirigentes camponeses concordam com o que apontamos no título deste último texto, que arremata nossas impressões de três dias de andanças e prosas por alguns dos municípios castigados pela estiagem que atinge o bioma Pampa, no sul do Rio Grande do Sul. A chuva só se pode esperar que caia do céu mesmo, para normalizar a água dos reservatórios, devolver a umidade ao solo para que se produzam novos plantios, mas as necessidades dos camponeses e camponesas só serão atendidas pelas instâncias de poder se estes estiverem organizados enquanto classe e dispostos a retomar a visibilidade através da luta de massa.
O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) está propondo uma pauta unificada para a classe camponesa no que diz respeito ao enfrentamento dos efeitos da seca e a projeção de um sistema de valorização da força de trabalho e da produção executadas pelos pequenos. Trata-se de um novo levante, retomando a prática das grandes mobilizações do passado, defendendo ações de socorro imediatas e a retomada do programa camponês como política de estado. Em recente reunião da coordenação estadual do movimento foi construído um documento que vai basear esse ação, onde se aponta que a situação dos agricultores é grave, estiagem é prolongada e os prejuízos são enormes. As perdas nas lavouras são de quase 100% (feijão e milho) nos plantios do período recomendado, falta água para animais, as pastagens estão secas, perdas enormes na produção de leite, perda de peso na pecuária, perdas na produção de fumo, árvores morrendo, açudes secos, sangas e arroios secando, situação ambiental em estado grave, enfim são efeitos notados em todas as culturas. Conforme o MPA, estima-se que os prejuízos contabilizam mais de R$ 1 bilhão levando em conta apenas os mais de 30 municípios que declararam situação de emergência.
A pauta de reivindicações requer a garantia de Cartão Estiagem de dois salários mínimos para cada família atingida; anistia das dívidas de custeio e da parcela das dívidas de investimento de 2018, no PRONAF; anistia do pagamento do milho troca-troca; liberação de Crédito Emergencial de R$ 5.000,00 para sementes crioulas, mudas e insumos agroecológicos, com rebate de 80% no pagamento, através do FEAPPER; ração para o gado por 3 meses (milho doado da CONAB); liberação de recursos para a construção de 5 mil cisternas na região; abastecimento emergencial de água nas casas; liberação de recursos para as prefeituras recuperarem e manterem as estradas; retomada e ampliação do Programa Camponês (investimento nas famílias) com investimento de R$ 15 mil por família e rebate de 80%, através do FEAPPER.
O MPA defende a criação de um programa de alcance nacional voltado à produção, industrialização, beneficiamento, armazenagem, distribuição e comercialização de alimentos saudáveis, através da agroecologia e da transição agroecológica, chamado Programa Camponês. Essa é uma proposta de política de estado, estruturante estruturante da produção e da vida camponesa, e contém, entre outros, os seguintes elementos: estímulo à cooperação e ao cooperativismo; crédito desbancarizado e desburocratizado; transição agroecológica massiva; assistência técnica e educação camponesa; investimento nas unidades de produção camponesas; processamento e agroindustrialização da produção; beneficiamento de sementes; biofábricas de insumos; armazenagem, logística, distribuição e comercialização.
Um dos maiores entusiastas do Programa Camponês é o dirigente da Via Campesina, Frei Sergio Görgem, que destaca a que nesta iniciativa “as famílias vão ter investimentos nas unidades produtivas para estruturar a produção de alimentos saudáveis com tecnologias agroecológicas”. Tanto a sistematização dos temas e propostas abordados tanto na pauta emergencial da seca no bioma Pampa, quanto no projeto permanente representado pelo Programa Camponês é resultado direto das visitas, reuniões e assembleias que vem sendo realizadas junto à base do MPA em todo o Brasil, através do Mutirão da Esperança Camponesa.
Camponeses e camponesas estão prontos a dialogar, mas a cada dia de silêncio que segue parece ficar mais próximo o momento de retomar as reivindicações colocando o pé na estrada. Todos são convidados a permanecer em contato com os dirigentes do MPA em suas regionais e estarem a postos para iniciar o processo de mobilização popular na segunda quinzena de abril. Está na hora de fazer valer a frase que serve de lema para o mutirão: “Quem alimenta o Brasil exige respeito!”.
Marcos Antonio Corbari | Jornalista
Rede Soberania | instituto Padre Josimo | MPA
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