A história (re)contada por uma imagem


 

Foto: Guilherme Santos/Sul21 (publicação original acessível, CLIQUE AQUI)

 

Marcos Antonio Corbari*

 

A foto do repórter Guilherme Santos, colaborador do portal Sul21, talvez seja a imagem mais reproduzida e que melhor representa a simbologia histórica que está por trás das agressões praticadas por extremistas de direita e fazendeiros do Rio Grande do Sul contra a Caravana de Lula e aqueles que lhe são simpáticos. A cena capturada, onde um filho de fazendeiro agride um sem-terra com golpe de relho, converte-se em uma imagem narrativa, que serve para ilustrar um fato, mas também para contar uma história.

A imagem, ao mesmo tempo que retrata uma contemporaneidade assustadora, onde a prática do jogo democrático perde espaço para o protagonismo de figuras asquerosas que fomentam a violência e o fundamentalismo contra aqueles que pensam e militam de forma contrária, relembra um passado sombrio que deveria ser lamentado por todos e rememorado apenas para fins pedagógicos de modo que os crimes de ontem não se repitam nos dias de hoje. Mas, infelizmente, a disciplina de história já não parece ter o mesmo prestígio de outrora.

A propriedade que excede a necessidade e a instância de mando que estabelece o exercício de poder de alguém sobre outrem – como se um detivesse algum tipo de superioridade sobre o outro – são os dois pilares desse raciocínio tosco que se perpetua de geração a geração, fundando a condição desde os senhores de escravos do passado aos que se apresentam como “produtores de divisas” no presente. Transmutou-se a expressão, mantiveram-se as posições.

O chicote havia dado lugar aos expedientes de dominação simbólica que se construíram através do domínio do campo social e da anulação de qualquer discurso contestatório. Agora ele está de volta em fotos, em relatos, em ameaças que não se preocupam mais em soar veladas. O chicote que abre vergões na pele daquele que apanha, açoita muito mais do que o corpo do mais fraco, fere de morte o sentido de humanidade que tanto precisamos recuperar.

Os grilhões de antes haviam sido substituídos pelas cadeias ideológicas do nosso tempo, onde o bombardeio de informação condiciona muitos trabalhadores e trabalhadoras à condição de neo-escravos, traindo a própria classe em defesa daquele que lhe explora. A pergunta que cabe fazer é sobre quanto tempo estes que resgataram o chicote, vão demorar para resgatar também as correntes, o tronco, as senzalas…

Uma imagem. Uma foto. Um grito que se cala no ar, preservado no tempo, entre o ontem e o hoje. Um zunido de couraça cortando o ar, que ecoa incomodamente como se a qualquer momento pudesse atingir pelas costas a mim, a ti, a qualquer trabalhador e trabalhadora que ainda não despertou sua consciência de classe e não teve coragem de dar seu próprio grito de alforria.

 

*Jornalista e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)