A quem interessa vender a imagem que o dia 24 será um caso de polícia, e não uma data que irá mudar a história política do Brasil?
Por: Carlos Wagner, repórter
Com que interesse começou a ser construída na opinião pública, tijolo por tijolo, a imagem de que os apoiadores e os contrários ao ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) irão transformar Porto Alegre em um caos na próxima semana? O interesse é claro: transformar o próximo dia 24 em caso de polícia e não na data que irá afetar os rumos no futuro próximo da economia e da disputa política no Brasil. No dia 24, na sede do 4ª Região do Tribunal de Justiça Federal (TRF4), em Porto Alegre, três desembargadores irão decidir sobre a apelação feita por Lula de uma condenação de 9 anos e seis meses, no ano passado, dada pelo juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, em Curitiba (PR). Se for condenado, Lula perde o direito de concorrer nas próximas eleições a presidente da República, onde as pesquisas o apontam em primeiro lugar. E também poderá ter que cumprir a pena na cadeia. Qual é o nosso papel como repórteres nessa situação?
Antes de responder a essa pergunta, eu quero refletir com os meus colegas repórteres, calejados e novatos, sobre um ensinamento que recebemos nos primeiros dias na faculdade de jornalismo e que é reforçado diariamente nas redações: uma imagem vale mais que mil palavras, disse o filosofo chinês Confúcio, em algum dia entre os anos 551 a.C. e 479 a.C., período no qual viveu e deixou uma obra que, hoje, é um patrimônio da humanidade. Hoje, quando as novas tecnologias fazem as imagens dar a volta ao mundo em segundos, as palavras do sábio chinês nunca foram tão atuais.
Aprendi, nos meus 40 anos de lida na reportagem, que a imagem construída na opinião pública sobre um acontecimento chega aos nossos leitores antes do que a verdade. Sempre estive envolvido na cobertura de conflitos e sei como isso acontece, lembrei aos meus colegas no ano passado, quando fui homenageado no 12º Congresso da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji), em São Paulo. Essa imagem do caos no dia 24 não está sendo construída na opinião pública por amadores. Mas por profissionais que habilmente pegam aqui e ali pedaços de informações ditas por autoridades do Judiciário e da Segurança Pública envolvidas no julgamento e que montam uma notícia sobre uma coisa que poderá acontecer como se fosse acontecer e a distribui para grande mídia e as redes sociais. Isso acaba virando uma pauta que é entregue ao repórter para ser feita. Um exemplo: a notícia sobre a ida a Brasília do presidente do TRF4, o desembargador Carlos Thompson Flores, para conversar com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Assisti, ouvi e li a maioria das notícias sobre o assunto nos jornais (sites, Tvs , rádios e redes sociais). O maior conteúdo das notícias dava conta de que o forte da conversa de Thompson Flores foi a respeito de um relatório que havia recebido sobre ameaças que teriam sido feitas aos três desembargadores e ao patrimônio do TRF4. Esse relato foi atribuído ao ministro da Justiça, Torquato Jardin. Ele desmentiu que tivesse feito tal relatório. Afirmou que apenas conversou com Thompson Flores sobre a sua vinda ao estado para tratar da construção de um presídio federal e que aproveitaria a ocasião para conversar sobre o dia 24.
O desmentido do ministro foi ignorado. Antes de seguir contando a história, eu quero explicar o seguinte. O que os construtores da imagem do caos do dia 24 estão fazendo não é fake news. Fica na fronteira entre a verdade e a mentira. Nós temos que ter como norte da nossa cobertura o interesse do nosso leitor, que, geralmente, não esta na pauta recebida. E qual é ele? Saber o que realmente acontece, porque ele irá precisar dessa informação para organizar sua vida dentro do que virá a acontecer na economia, na disputa política depois do dia 24. Não existe, tenho garantia de 100% de que não irá acontecer tumulto. Como não existe certeza do que irá acontecer. O que temos de concreto são fatos. Por exemplo: lembrar que as forças policiais atuando no Rio Grande do Sul – Brigada Militar (BM), Polícia Civil (PC) e Polícia Federal (PF) –, por ocasião da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016), tiveram seus treinamentos para atuar em grandes eventos, obedecendo a padrões internacionais. Mais ainda: foram equipadas com novas tecnologias. Portanto, estão preparadas para lidar com esse tipo de acontecimento.
Mais uma herança deixada pelos grandes eventos: a integração entre os serviços de inteligência das polícias com as Forças Armadas. Um dos trabalhos da inteligência é antecipar o que vai acontecer. E que, na minha opinião, é a maior garantia da segurança do evento. Todos os movimentos sociais envolvidos e partidos políticos são organizações legalizadas e dirigidas por pessoas conhecidas. Na minha vida de repórter, eu já vi um bando de loucos conseguir transformar um acontecimento político em um caso policial, como aconteceram em alguns episódios das mobilizações de 2013. Passado o tumulto, eles foram identificados e respondem a processos na Justiça e inquéritos na Polícia Civil. O trabalho do repórter é fundamental para ajudar a manter o norte político do irá acontecer, e não o policial.