Artigo | Palavras de sétimo dia
Por: Juarez Paulo Braga Zamberlan
Juarez Paulo Braga Zamberlan
Jornalista, sindicalista, bancário. Três Passos – RS.
No sábado, 12 de novembro de 2011, morreu Dona Sirlei. Quando alguém me perguntou o motivo de sua morte, respondi: – de pobreza.
Depois que o marido a abandonou, Dona Sirlei viveu seus miseráveis últimos anos em um casebre, construído com sobras de material de construção, na faixa de domínio da BR 468, prolongamento da Rua Jardim, em Três Passos, Rio Grande do Sul. Não tinha flores em seu jardim.
Trabalhou como faxineira por um tempo na Casa da Cidadania. Lá, a gente se encontrava, tomava uns mates, trocava algumas palavras. Na verdade, não se permitiu maior conhecimento. Nem seu nome completo era conhecido.
Lutava, sem sucesso, contra o vício da bebida. Outros vícios não faltaram. Fumou maconha, crack, cheirou cola, coca. Alimentava-se muito mal. A cirrose e o diabetes bateram à sua porta. Estava escancarada.
Lembro-me dela, embriagada de álcool e esperança, dançando na rua quando da festa pela vitória de Lula, em 2002 e em 2006. Sonhava que o Estado, com Lula presidente, pudesse autorizar a ligação de água e luz em seu barraco. Sem chance. Casa popular decente? Nem a pau. Internada em uma enfermaria do SUS, à noite caía da cama, sem alguém para lhe acompanhar. Quando mais necessitou de privacidade e apoio, teve que compartilhar sua intimidade com desconhecidos também doentes. Seu caso era grave. Estava “rifada”. Morreu como viveu. De forma miserável. Sublimou. Partiu. Desencarnou. Quando se buscou o pagamento dos serviços funerários pelo Poder Público, “ela não era indigente”. Indigente? De onde vem essa palavra? Então, quem seria?
Depois de morta, descobriu-se que Dona Sirlei era mãe de dez filhos. Nenhum estava presente nos últimos dias e na despedida. No velório e no enterro, o pastor Günter rezou, amigos e colegas de desgraça cantaram Raul, que ela curtia. Na verdade, Dona Sirlei viveu e morreu quase anônima. Sua cruz foi pesada. Raros e benditos tiveram coragem de se aproximar dela para oferecer ajuda.
Por outro lado, desperdiça-se tempo em debates sobre as chamadas “políticas sociais”. Briga-se para dar mais, ou menos. Viaja-se muito, mente-se muito mais. Os quilômetros no asfalto e os casebres às margens das rodovias se avolumam.
As circunstâncias da morte de Dona Sirlei nos colocam a pensar: tudo o que partidos políticos – capitalistas e socialistas, sindicatos, movimentos sociais, igrejas, governos, ONGs e clubes de assistência têm feito, é flagrantemente pouco, comparado às necessidades reais do povo pobre. Não conseguir abrigo para famílias que vivem irregularmente de forma precária ao lado de nossas casas e cidades, mostra que algo está errado. É o fracasso. Repensar isso é urgente. Falar menos. Agir mais.
Receba Dona Sirlei um pedido de perdão com estas palavras, no lugar de flores, que buscam dar significado aos tempos em que a solidariedade e o amor ao próximo estão cada vez mais distantes.
Descanse em paz!