Artigo | Será que teremos futuro
Por: Alessandro Carvalho Bica
Alessandro Carvalho Bica[1]
Em pleno sábado, véspera do Dia das Mães chegou em minha timeline e no meu WhatsApp do grupo da Universidade, de maneira quase concomitante, uma propaganda institucional da Secretaria Especial de Comunicação Social que está vinculada ao Governo Federal.
A temática da campanha publicitária[2] se vincula às ações realizadas pelo Governo Federal no combate e enfrentamento da Covid-19[3] ou Corona Vírus, segundo a própria SECOM[4], os conteúdos digitais tem por objetivo produzir peças com uma linguagem de multimídia de fácil entendimento e que seja acessível a todos e proporcione aos interessados conhecimento e compreensão do assunto retratado.
Historicamente, os regimes republicanos brasileiros sempre usaram a lógica das propagandas institucionais para sistematizar, organizar, pulverizar e divulgar as notícias oficiais do governo federal, transformando os meios de comunicação em veículos de massa.
Se entendermos que na década de 1930, em plena Era Vargas, o Rádio foi o principal veiculador das mensagens do governo, no período do Regime Militar a televisão assumiu o papel de propagador ideológico dos militares. Neste século, a internet e as redes sociais estão sendo utilizadas como o estopim para difusão de notícias, de anúncios, de propagandas institucionais, de peças publicitárias e de nonsenses words.
Voltando a campanha institucional, em sua materialidade a propaganda possuí 04 minutos de ponderações, recheadas por diversas e incansáveis elogios à administração pública do genocida que ocupa o Palácio do Planalto, contudo as sutilezas e peripécias da governabilidade palaciana de Brasília não param por aí, as diversas imagens são distribuídas pela temporalidade da propaganda institucional, são esteticamente pensadas para mostrar falas presidenciais e ministeriais, divulgar frases de efeito e jargões baratos e populistas, difundir os pseudo investimentos e a ineficácia das reformas econômicas como das ausentes ações à saúde pública nacional.
Segundo a chamada do SECOM, a imprensa brasileira está de costas à realidade e aos fatos cotidianos da atualidade, criticando as ações presidenciais que nos últimos 02 anos vem trabalhando para SALVAR VIDAS[5] e preservar a saúde, os empregos e a dignidade dos milhares de brasileiros.
Não pretendo esgotar as múltiplas análises que podem e devem ser realizadas à propaganda institucional do governo, mas gostaria de chamar atenção para dois pontos que revelam o total descontrole e as opções nefastas deste governo.
Nossa primeira análise está no seguinte momento, em seu 3’33”, aparece a imagem do Tio Sam-Brasileiro, resolvi livremente chamá-lo assim, pois é uma cópia fidedigna e uma clara referência ao Tio Sam-Estadunidense, a imagem mostra um homem de olhos azuis, barba branca, dedo em riste, vestido com fraque verde oliva, gravata amarela, cartola branca com fita verde oliva, referencias as cores da bandeira brasileira, o ícone escolhido nada tem a ver com a “APARÊNCIA” dos verdadeiros brasileiros.
A imagem escolhida ao relembrar a figura americana, sugere que o Brasil: PRECISA DE VOCÊ (brasileiro), isto é, a mesma lógica de marketing utilizada para o recrutamento de soldados estadunidenses na Primeira Guerra Mundial, além de demonstrar toda a subserviência do Brasil-Bolsonarista[6] aos Estados Unidos da América-Trumpista.
Nossa segunda e última análise está por volta dos 3’51”, quando aparecem no vídeo as seguintes frases: O trabalho, a união e a VERDADE libertarão o Brasil e JUNTOS, vamos seguir fazendo deste grande país uma GRANDE NAÇÃO.
Aqui nossa preocupação é ainda maior, para quem não lembra, muitos dos campos de concentração e de extermínios de judeus na Segunda Guerra Mundial possuíam em seus portões de entrada, a expressão em alemão: “Arbeit Macht Frei” que pode ser livremente traduzida como: “O Trabalho Liberta”.
Não devemos esquecer também que o slogan de campanha do atual presidente, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, faz alusão direta ao chavão da Alemanha nazista, o “Deutschland Über Alles” que, em português, significa “Alemanha acima de tudo”.
É notório a preocupação de muitos intelectuais brasileiros da aproximação institucional do Brasil aos regimes de cunho autoritário e de ordem fascistas, haja visto o episódio que ocorreu em janeiro de 2020, com Roberto Alvim, então, Secretário Especial da Cultura que foi exonerado do cargo, após provocar uma onda de indignação ao utilizar frases completas e referencias inteiras do discurso do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels, além do fundo musical com a ópera “Lohengrin“, de Richard Wagner, compositor alemão celebrado pelo nazismo.
Associados a todo este cenário, no último dia 11 de maio de 2020, integrantes do estafe[7] bolsonarista que ocupam o curral presidencial, ao avistarem a chegada do Capitão saudaram-no com gritos de “MITO” associados ao mesmo gesto que os alemães faziam ao cumprimentar o Fuhrer.
Pode parecer loucura geral ou demência congênita, mas estas proximidades preocupam muitas entidades que defendem direitos humanos e também daquelas que lutam pela manutenção de nossa frágil democracia.
Contudo, tendo em vista alguns dos últimos acontecimentos ocorridos no cenário nacional no último mês, tais como a violência contra jornalistas[8], o ataque aos enfermeiros[9] e aos membros do STF[10], a negação do momento atual[11] e as últimas solicitações presidências pelo fim do isolamento nacional[12] nos preocupa o dia de amanhã.
Depois de tudo isso, volto ao início deste texto e me pergunto novamente:
O que devo mais dizer? O que devo mais pensar? O que devo mais gritar? O quemais devo falar? O que devo mais fazer?
Enfim, o cenário atual é angustiante, mas reconforta-me a escuta de algumas músicas preferidas, na mescla das estrofes de Raul Seixas, Belchior, Caetano Veloso e Ednardo encerro minhas paranoias…
Conserve seu medo, mantenha ele aceso, esteja atento ao rumo da História, que nossa alucinação seja suportar o dia-a-dia, que nosso delírio seja a experiência das coisas reais, que estejamos sempre atentos e fortes, pois não temos tempo para temer a morte, e que por fim, não arreparem não, mas enquanto engomamos a calça, vamos contar para todo mundo, que nesta nefasta guerra, eles podem ser muitos, mas não podem voar.
Que tenhamos esperança no porvir do amanhã… [13]
Referencias
BUARQUE, Chico. Jorge Maravilha. Álbum Banquete dos Mendigos, 1973.
COSTA, GAL. Divino Maravilhoso, Álbum Gal Costa, 1968.
GESSINGER, Humberto. Até o Fim. Álbum Dançando no Campo Minado, 2003.
MATTOS, Sergio. História da Televisão Brasileira: uma visão econômica, social e política. São Paulo, Vozes, 2002.
SEIXAS, Raul. Medo, Álbum Mata Virgem, 1977.
SOUSA, Ednardo. Pavão Misterioso, Álbum O Romance do Pavão Mysteriozo, 1974.
______________. Enquanto Engomo a Calça. Álbum Ednardo, 1979.
VELOSO, Caetano. Gente. Álbum Bicho, 1977.
[1] Professor Universitário; Doutor em Educação.
[2] Para assistir a propaganda na integra, acessar https://twitter.com/secomvc/status/1259680347962380290
[3] Desde a saída de Nelson Teich em 15 de maio de 2020 do Ministério da Saúde a pasta vem sendo dirigido por militares alinhados ao Goeverrno Bolsonaro.
[4] As informações foram consultadas no site: http://www.secom.gov.br/@@busca?SearchableText=diretrizes acesso em 12 de maio de 2020.
[5] O quadro de contaminação da COVID-19 no Brasil em 22 de maio de 2020, possui 271. 628 casos de pessoas contaminadas e um total de quase 18 mil mortos.
[6] Para observar estas e outras imagens, consultar: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/kit-bolsonarista-de-protestos-tem-bandeiras-dos-eua-em-estetica-da-subserviencia.shtml ou https://revistaforum.com.br/colunistas/anaprestes/brasil-ja-acumula-em-2020-deficit-comercial-de-3-bilhoes-de-dolares-com-os-eua/
[7] Especificamente sobre esta notícia, consultar: https://revistaforum.com.br/politica/apoiadores-de-bolsonaro-fazem-gesto-nazista-para-o-presidente/amp/
[8] Sobre as agressões aos jornalistas, consultar https://www.brasildefato.com.br/2020/05/03/jornalistas-sofrem-agressao-em-ato-estimulado-por-bolsonaro
[9] Sobre as agressões sofridas pelos enfermeiras, consultar a notícia em https://www.metropoles.com/distrito-federal/enfermeira-agredida-por-bolsonaristas-so-queriam-ofender-e-machucar
[10] Sobre os ataques sofridos pelo Supremo Tribunal Federal, consultar a notícia: https://congressoemfoco.uol.com.br/judiciario/empresarios-bolsonaristas-bancam-ataques-a-ministros-do-stf-aponta-investigacao/
[11] Sobre a negação da realidade atual e do escárnio da situação de pandemia, consultar https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/09/interna_politica,853123/bolsonaristas-dancam-com-caixao-e-negam-10-mil-mortes-mata-muito-men.shtml
[12] Sobre as falas presidenciais pelo fim do isolamento social e a adoção do isolamento vertical, consultar a notícia: https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-pede-fim-do-isolamento-lockdown-e-o-caminho-do-fracasso
[13] Antes do encerrar e colocar o último ponto final neste texto, o governo publica no dia de hoje no Diário Oficial da União, a Medida Provisória nº 966 que dispõe sobre as responsabilizações dos agentes públicos em atos relacionados com a pandemia da covid-19 numa clara tentativa de blindar as ações da má gestão do governo e na condução inadequada das atuais políticas públicas de combate à pandemia. (http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-966-de-13-de-maio-de-2020-256734909)