A Educação é um ato político

4 de junho de 2018
Autor: Michele Corrêa

Quando se nasce negra, pobre, no interior de um país oligárquico, fortemente racista, marcado por desigualdades sociais extremas, estudar torna-se uma questão de sobrevivência, de garantia de vida digna. Filha de capataz de estância, um homem rude do campo, não alfabetizado e de uma dona de casa que estudou apenas até a 5ª série, em Aceguá no interior do Rio Grande do Sul, cedo percebi que a única alternativa de garantir um futuro mais próspero seria por meio da educação.

Um dos dias mais marcantes da minha vida foi quando entrei na humilde biblioteca da escola pública onde completei os estudos básicos, nunca tinha visto tantos livros, e olha que não eram tantos assim, mas o suficiente para que me permitir tomar gosto pela leitura e pela busca por conhecimento. Durante todo o período escolar fui frequentadora assídua da biblioteca. Sem reprovar um só ano, estabeleci ainda no ensino fundamental o objetivo de ingressar na universidade federal. O que para muitos era apenas um sonho tolo de menina, afinal a faculdade federal mais próxima, Universidade Federal de Pelotas (UFPel) distanciava-se em mais de 250 km, e na região havia apenas um instituição de ensino superior, a Universidade da Região da Campanha (URCAMP), destinada a instrução dos filhos e filhas de estancieiros da região.

O que parecia um sonho, tornou-se realidade em 2006, não só por mérito meu, mas porque felizmente contei com políticas públicas educacionais que me garantiram o acesso ao ensino universitário federal. Os avanços na área da educação durante os governos Lula e Dilma tornaram possível, a instalação e crescimento da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) nos longínquos rincões do sul, algo impensável em governos anteriores. Não fosse a criação da Unipampa, ainda estaria eu alimentando este sonho, sem condições de emigrar para outra cidade, sem condições de custear o ensino superior em instituição privada. A partir da criação desta universidade, tive acesso a graduação no Campus Bagé em 2007, quando prestei vestibular no  para um curso noturno pela necessidade de trabalhar para me manter estudando, e não teria conseguido concluir sem mais uma vez contar com políticas públicas que viabilizassem esse objetivo – manutenção de jovens pobres nas faculdades -, as Bolsas de Permanência, que auxiliam no custeio de transporte, alimentação e aluguel.

Sem ações afirmativas que garantam o ingresso e a permanência de jovens nas Universidades Federais não seria possível a juventude pobre, negros, quilombolas e indígenas ingressar e concluir o ensino superior. A chance de ter um diploma de graduação aumentou quase quatro vezes para a população negra nas últimas décadas no Brasil. Depois de mais de 15 anos desde as primeiras experiências de políticas públicas no ensino superior, o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3% em 2017. O Censo do Ensino Superior elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também evidencia o aumento de matrículas de estudantes negros em cursos de graduação. Em 2011, do total de 8 milhões de matrículas, 11% foram feitas por alunos pretos ou pardos. Em 2016, ano do último censo, o percentual de negros matriculados subiu para 30% [¹].  Desde sua criação, em 2013, o Bolsa Permanência atendeu 7.370 indígenas, 2.666 quilombolas e 9.563 estudantes de baixa renda, que deixaram de receber o auxílio em 2016 [²].

Tão grande foram os avanços, tal foi o impacto na sociedade brasileira que um dos primeiros passos do governo golpista do presidente Temer foi atacar os setores educacionais, seja por meio da reforma do ensino médio, a qual precariza ainda mais o ensino público, ou pelo congelamento dos gastos públicos, por meio da Emenda Constitucional 95, que refletem no não investimento nas instituições públicas de ensino federal por 20 anos, ocasionando os cortes no auxílio financeiro à indígenas e quilombolas que estudam em universidades federais, como o anunciado no dia 29/05/2018, pelo Ministro da Educação, Rossieli Soares. O MEC oferece apenas 800 bolsas e ameaça permanência de 4 mil indígenas e quilombolas na universidade. No primeiro semestre de 2018, aproximadamente 2,500 indígenas e quilombolas entraram nas universidades federais e aguardam pela Bolsa Permanência [²].

A educação permite empoderamento das minorias políticas, porque a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam, o conhecimento produzido pelos filhos de negros, quilombolas, indígenas, camponeses e trabalhadores de todas as classes, ameaça e incomoda o poder político brasileiro, conservador, acostumado a ser dono dos meios de produção incluindo a produção de conhecimento. Diante desta situação precisamos estar atentos e formarmos unidade na defesa das ações afirmativas na área de educação e defesa das conquistas obtidas. A educação é um caminho de suma importância para que possamos mitigar as desigualdades e preconceitos sociais que chagam nosso povo.

 

Referências:

[¹]            http://www.jb.com.br/pais/noticias/2018/05/28/revolucao-silenciosa-percentual-de-negros-com-diploma-cresceu-quase-quatro-vezes-desde-2000/

[²] https://www.cimi.org.br/2018/05/mec-oferece-apenas-800-bolsas-e-ameaca-permanencia-de-4-mil-indigenas-e-quilombolas-na-universidade/

[³]            https://www.cimi.org.br/wp-content/uploads/2018/05/NOTA-OFICIAL-ESTUDANTES-INDIGENAS.pdf

 

 

*Graduanda em Filosofia na UFPel,

 Militante da Pastoral da Juventude (PJ) e

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)