Artigo | A educação em tempos sombrios
Autor: Alessandro Carvalho Bica
Alessandro Carvalho Bica*
A educação na corda-bamba: das incertezas humanas às utopias das ciências
Nesta terceira semana de “Meu Eu” em Isolamento Social, o Meu Eu de Hoje resolveu conversar com o Meu EU de Ontem, este tempo presente-pretérito e pretérito-presente ressurge com uma força radical de análise conjuntural da realidade humana que estamos vivendo.
Como Ser Humano deste tempo, começo a apresentar alguns sintomas pessoais de intolerância, de falta de paciência, de saudades dos amigos, dos colegas, dos alunos e de ir à rua, início a perda do equilíbrio emocional mesclado a alguns sentimentos de medo, angústia, pânico e horror.
Apesar de tudo isso que estamos sentido e passando, a realidade se impõe como algo voraz, retilíneo, cartesiano, impactante e pragmático. É preciso viver este momento com fé, resiliência e estar atento e forte nas análises conjunturais da realidade brasileira.
Há quase 210240 minutos, 8760 horas ou 365 dias atrás, as Universidades Brasileiras sofreram um duro golpe em seus orçamentos, processo este vivido em um momento extemporâneo à realidade universitária, as mudanças propostas pautaram-se em discursos desconexos, preconceituosos e recheados de uma vilania contra a coisa pública, aquela que pertence a NÓS.
Por exemplo, a NOSSA UNIPAMPA (Universidade Federal do Pampa), que tem na cidade de Bagé/RS a sede de sua reitoria, presenciou um bloqueio de R$ 18.802.778,00 de seu orçamento, cerca de 34% dos valores discricionários, entre recursos de outras despesas correntes (custeio) e Investimentos (capital), o que causou um efeito dominó de pânico, temor, desesperança e inviabilidade do ano letivo de 2019.
O caos educacional planejado e mobilizado pelo governo Bolsonaro e seu Ministério da Educação desde janeiro de 2019, deve ser pensado na sua completude, dentro da lógica conservadora, moralista e anti-democrática.
É bom lembrar que em fevereiro de 2019, o Sr. Ricardo Vélez Rodriguez (1º Ministro da Educação do governo Bolsonaro) tentou impor ao sistema educacional brasileiro a retomada do Decreto-Lei nº 869, de 12 de setembro de 1969 que instituía a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória nas escolas brasileiras, discurso este pautado em princípios moralistas de uma sociedade e de um tempo de exceção da História Brasileira.
O descontentamento e o descompasso ministerial compeliram uma saída pela tangente do ministro Vélez, isto é, sai o Filósofo Propositivo e convoca-se o Economista Privatista e Pragmático, detentor de um currículo vinculado a iniciativa privada, que assumiu a tarefa de “Gestar a Inconveniente ” educação brasileira.
Um dos seus primeiros atos, Abraham Weintraub busca recompor e ressurgir o Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969 que definia o que eram infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências, esta atitude estava na esteira do Projeto “Escola Sem Partido” que percorre o Brasil nos últimos 06 anos.
Sendo assim, a partir daquele momento, toda e qualquer manifestação popular ou movimento docente que “paralisasse a ordem escolar” era considerada subversiva e perigosa, e nesta lógica, o Ato de PENSAR tornou-se subversão.
Claro que estes fatos, não devem e nem podem ser compreendidos de maneira isolada e anacrônica, como diria Darcy Ribeiro, a crise educacional do Brasil, não é uma crise, é um projeto, ele faz parte de um programa em curso, e que amanhã, falarão por si mesmos.
Logo, vamos entender como chegamos até aqui:
No ano de 2016, o então presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que congelava os gastos públicos por 20 anos, período em que o dinheiro economizado será canalizado para o pagamento da dívida pública, que atualmente consome quase metade do orçamento do país. Esta PEC revogou o art. 2º da Emenda Constitucional 86/2015, em vigor, que determina o repasse da União em gastos mínimos com saúde em 13,3% da Receita Corrente Líquida para 2016; 13,7% para 2017; 14,1% para 2018; 14,5% para 2019; e 15% a partir de 2010.
Logo, em 2016 a EDUCAÇÃO brasileira anunciou ao povo que sua morte seria lenta, gradual e irrestrita…
Ainda no mesmo ano, foi proposta a Medida Provisória nº 746 (Reformulação do Ensino Médio), aprovada em fevereiro do ano posterior, esta Medida prometeu estabelecer uma política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Salvo ledo engano, neste ano de 2020, a Escola de Tempo Integral ainda não é realidade e só reforça sua dívida histórica desde os tempos coloniais.
O que a Reforma do Novo Ensino Médio promoveu foi um distanciamento maior entre a Elite que orbita as instituições educativas privadas e a população da Classe C, D e E que frequenta as Escolas Públicas que tem professores com pagamentos atrasados e/ou parcelados e alunos com fome que foram privados de enxergar o amanhã.
Entre muitas mudanças, a Reforma por exemplo, restringiu a obrigatoriedade do ensino da arte e da educação física à educação infantil e ao ensino fundamental, tornando as facultativas no ensino médio e ao dar autonomia aos sistemas de ensino para definir a organização das áreas de conhecimento, as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC impeliu a escola os desejos da formação técnica do mercado.
Em decorrência da Reforma do Ensino Médio, o Conselho Nacional dos Bispos do Brasil emitiu o seguinte parecer: A educação deve formar integralmente o ser humano. O foco das escolas não pode estar apenas em um saber tecnológico e instrumental, há que se contemplar igualmente as dimensões ética, estética, religiosa, política e social, a escola é um dos ambientes educativos no qual se cresce e se aprende a viver, ela não amplia apenas a dimensão intelectual, mas todas as dimensões do ser humano, na busca do sentido da vida, afinal, que tipo de homem e de mulher essa Medida Provisória vislumbra?
O pior estava por vir, teríamos eleições presidências em outubro de 2018, e o projeto vencedor escolheu a seguinte plataforma educacional:
– A intolerância explícita contra o marxismo, a Paulo Freire e a discussão de gênero na escola;
– A instituição das lógicas meritocráticas, privatistas e preconceituosas;
– Afirmou que os brasileiros deveriam ter liberdade para fazer suas escolhas educacionais, e que a proposta educacional atual é excludente;
– E por fim, deveríamos “expurgar a ideologia de Paulo Freire”.
Enfim, por ironia do destino o Meu EU de Ontem estava adormecido, quieto, calado e pacificamente calmo, mas o “Meu Eu” de Hoje que está em pleno Isolamento Social resolve flertar com a razão e tentar compreender a nossa dura realidade.
Passados os quase 210240 minutos, 8760 horas ou 365 dias, as Universidades Federais, Públicas e com Ensino de Qualidade, estão novamente no seio dos debates nacionais, e a NOSSA UNIPAMPA, não está fora dele.
Os servidores públicos que outrora foram chamados de “Zebras Gordas”, “Parasitas” e de promoverem a Balbúrdia, de plantarem Maconha, de usarem Drogas e de Andarem Pelados pelo mundo da academia brasileira, esforço este promovido por nosso Ministro da Deseducação que promoveu um ataque diário aos Reitores, Professores, Técnicos Administrativos, discentes e Terceirizados das Universidades Públicas voltam aos noticiários noticiosos do País inteiro.
Posto isto, fico a pensar que em 2019, quando a Universidade foi rechaçada e a Ciência foi execrada pela Sociedade Civil como quase nunca visto na História da Educação Brasileira, e que fomos colocados em segundo plano nestes tempos sombrios.
Mas, ora, vejam só, não é que vem uma PANDEMIA, com letras maiúsculas e grifadas, aquela que não é uma gripezinha qualquer, aquela que não contamina apenas o grupo de risco e aquela que não prejudica somente os que não possuem histórico de atleta surge como uma bomba nuclear mundial e acorda o mundo, e o Brasil.
Ah, sim! A Pandemia, a Covid-19 ou o CoronaVírus moveu os esforços de todos aqueles que foram abandonados, odiados, abominados pela Sociedade brasileira, as “Zebras Gordas” e os “Parasitas voltaram ao trabalho para produzir álcool 70%, álcool em gel, máscaras, desinfetantes, modelos estatísticos, pesquisas científicas e materiais de toda a sorte para ajudar neste momento de crise humana.
A Universidade de Hoje mostrou ao Povo Brasileiro, que NOSSO compromisso social é com a educação, é com a ciência e é com a vida humana.
Enfim, o que meu Meu Eu de Agora espera que o NOSSO EU de amanhã não esqueça do significado filosófico de RECIPROCIDADE, que é capacidade intelectual que, torna compreensível a relação entre dois ou mais componentes, mutuamente percebidos no espaço, de aspecto e forma integrantes. E como diria o Papa Francisco: Estar do lado dos Pobres é Evangelho e não Comunismo.
Abraços e Cuidem-se.
08 de abril de 2020
*Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Presidente da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE) Gestão 2019-2021; Professor da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) na área de Educação; Coordenador do Programa de Mestrado Acadêmico em Ensino (PPGMAE/UNIPAMPA/Bagé)