Artigo | Carne Artificial
Autor: Frei Sérgio Görgen e Leandro Noronha de Freitas
*Frei Sérgio Antônio Görgen ofm
**Leandro Noronha de Freitas
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através do Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEPAN/UFRGS), está pesquisando sobre a aceitação pública daquilo que chama de “Carne Cultivada”, ou seja, carne produzida provavelmente através de biologia sintética (esta informação, infelizmente, não está disponível), em laboratório e reproduzida em plantas industriais, com sabores artificiais e tentativa de reproduzir a textura e a aparência da carne bovina criada nos campos. A pesquisa diz ser “sobre as atitudes do consumidor gaúcho de carne bovina frente a carne bovina cultivada.” O link de acesso à pesquisa é: https://forms.gle/GWnVKPSZxVTg5FCW6
O tradicional churrasco gaúcho pode estar com os dias contados.
As razões são atraentes: menos uso de terra, menos matas devastadas, menos animais sofrendo, menos efeito estufa, os veganos poderão comer carne, matar a fome de milhões com baixo custo. O sabor será o mesmo ou muito parecido, os nutrientes serão controlados, sem risco de gordura, colesterol baixo, etc, etc. Em matéria de argumentos, nenhuma criatividade: os mesmos da revolução verde e dos transgênicos, apenas recauchutados.
Fico a imaginar como farão costela, picanha, maminha, coxão de dentro, etc e tal. Quem gosta muito de um matambre bem assado e temperado deve estar exercitando a imaginação para desvendar como será o “matambre cultivado”. E o charque para “arroz carreteiro”?
Quando li (frei Sérgio) “ O Fim dos Empregos”, de Jeremy Rifkin, na virada do milênio, há 20 anos atrás e ele projetava a possibilidade de edifícios-fábrica produzindo comida artificial, achei exagerado e a todos com quem falei, acharam mais absurdo ainda.
Mas está chegando. O que a UFRGS está fazendo nada mais é do que testar a “percepção pública” para prospectar “possibilidades de negócios” de algum investidor que possa montar a primeira unidade industrial de “carne cultivada”, ou “carne artificial”, ou “carne de laboratório”. E há um precedente sério: quem engoliu transgênico com veneno e tudo, pode ter mente, paladar e intestino aptos a engolir churrasco “tipo isopor”.
A pesquisa está restrita aos gaúchos. Claro, se a ideia prosperar na terra onde a carne de gado é parte da essencial da culinária e de cultura secular, em outros ambientes tudo será mais fácil.
Quem está por trás disto? Não sabemos. Talvez os/as pesquisadores/as Alice Munz Fernandes, Ângela Rozane Leal Souza e Jean Philippe Palma Révillion pudessem explicar, já que a Universidade onde trabalham é pública. Também se há algum tipo de patrocínio privado nesta possível “prospecção de negócio”. Para a total transparência da pesquisa, esta informação é fundamental e esperamos que o comitê de ética da UFRGS, que aprovou a pesquisa, tenha atentado para este detalhe e ele venha a ser posto a público. Confidencialidade, neste tipo de questão, é inadmissível.
Temos profundas divergências ao sistema de produção de carne bovina hoje instalado no Brasil, feito de forma extensiva irracional ou confinamento com uso abusivo de substâncias químicas, hegemonizado pelo agronegócio através de poucas empresas monopolistas, em extensos latifúndios, devastando parte da Amazônia. Defendemos um sistema de produção em pequenas e médias propriedades, com produção à base de pasto em pastoreio rotativo, racionalização do espaço ocupado, combinando produção vegetal com produção animal, com sustentabilidade ambiental, longe da Amazônia, com unidades industriais descentralizadas.
Mas passar de uma porcaria à outra muito, muito pior, como sugere e induz a referida pesquisa, por favor! Respeitem, pelo menos, nosso paladar.
*Frade Franciscano, Militante do MPA, Autor de “Trincheiras da Resistência Camponesa”.
**Camponês, Engenheiro Agrônomo, Militante do MPA.