Criminosos vendem a soberania paraguaia como proteção para bandidos brasileiros


As terras paraguaias não se tornaram esconderijo dos mais articulados e violentos bandidos brasileiros por serem vizinhas ao Brasil. Tornaram-se porque a banda podre da polícia do Paraguai montou um lucrativo negócio de venda de proteção aos foragidos brasileiros. Essa banda podre é associada a um bem articulado grupo de empresários e políticos que vivem da indústria da pirataria, principalmente os que são conhecidos como “tabacaleiros” – donos de fábricas de cigarros que são vendidos ilegalmente no território nacional e que, em 2018, representou 54% do mercado e deu prejuízo na arrecadação de impostos de R$ 11,5 bilhões, um valor superior em 1/6 do orçamento da Polícia Federal (PF).

Essa situação é uma velha conhecida do governo do Brasil. Mas, seja por conveniência política com os interesses brasileiros no Paraguai ou por ignorância das autoridades nacionais em saber com são as coisas lá, ou simplesmente por sacanagem, o fato é que, nas últimas décadas, o governo brasileiro deixou as coisas acontecerem. A tal ponto que foi recebido no Palácio da Alvorada pelo ex-presidente da República Michel Temer (MDB – SP) o então presidente do Paraguai Horacio Cartes, dono de várias fábricas de cigarros piratas no seu país e também o protetor do “doleiro dos doleiros”, Dario Messer, que foi denunciado na Operação Lava Jato e hoje é considerado foragido da Justiça Federal do Paraná. Para saber como se consolidou o poder desse grupo de policiais corruptos, empresários da pirataria e políticos bandidos em terras paraguaios, indico Dossier Paraguay – Los Dueños de Grandes Fortunas, de Anibal Miranda (falecido). Esse e outros títulos publicados por Mirada mostram as entranhas do crime no Paraguai. Eu conversei com ele várias vezes nos arredores de Assunção, onde morava.

Voltando a nossa história. O resultado disse tudo são as taxas insuportáveis de violência urbana – homicídios, roubos, trafico de drogas e crimes comuns – em cidades do Brasil. Portanto, se o fator Paraguai não foi incluído na equação para resolver a questão da violência brasileira, as coisas continuarão como estão. Sérgio Moro sabe disso, ele foi juiz federal no Paraná e conhece muito bem essa situação. E sabe que o seu sucesso ou seu fracasso como ministro da Justiça e Segurança Pública passa pela solução desse problema. O “doleiro dos doleiros”, foragido no Paraguai, não é o maior problema de Moro. O maior problema são as organizações criminosas como Primeiro Comando da Capital ( PCC), de São Paulo, Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e dezenas de outras, inclusive do Rio Grande do Sul, que se instalaram no Paraguai e de lá mandam drogas, armas, munições e explosivos para as quadrilhas do Brasil. Não existe uma pesquisa. Mas é dado como certo por experientes policiais da PF que mais da metade dos fuzis, das pistolas e das munições nas mãos dos traficantes cariocas vem do Paraguai.

Sérgio Moro tem duas coisas importantes nas mãos para propor e executar uma solução para o fator Paraguai: ser do Paraná e ter conhecimento de causa. E por ser o primeiro ministro da história brasileira que concentra no seu ministério tantos departamentos especializados em combater o crime, como a PF e o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf). O desafio de lidar com o problema paraguaio não é simples. A começar pelos interesses brasileiros cravados dentro do país vizinho. O primeiro deles foi a construção da Hidroelétrica Bi-Nacional de Itaipu pelos dois países entre 1975 e 1982, quando eram governados por regimes militares. Os paraguaios sempre contestaram o acordo feito para construir essa obra. Em épocas de disputas eleitorais no Paraguai, o tom dos protestos sempre aumenta. Mas é a questão dos brasiguaios – agricultores brasileiros que migraram para lá nos anos 1970. Hoje são 500 mil brasiguaios que são responsáveis por mais da metade da produção agrícola do país. A maioria das famílias tem problemas em provar a posse da terra e de se legalizar como imigrantes no país. É um problema complexo, que pode ser descrito como uma faca no pescoço do Brasil.

Descrevo a situação da “faca no pescoço” no meu livro Brasiguaios: Homens sem Pátria. Conheço profundamente o Paraguai, como repórter. A primeira viagem que fiz para lá foi em 1984 e, desde então, de dois em dois anos volto lá. A soberania paraguaia hoje é usada por esses grupos de policiais corruptos, aliados aos empresários da pirataria, para vender proteção aos bandidos brasileiros. Em 2008, o então presidente do Paraguai, o bispo Fernando Lugo, assumiu o poder e acabou entrando em rota de colisão com as “máfias paraguaias”. Em 2012, ele sofreu um impeachment relâmpago. Assumiu o seu vice, Frederico Franco. A derrubada de Lugo abriu caminho para a eleição do presidente da República, em 2013, Horacio Cartes, que é ligado à indústria pirata do cigarro. O problema parece insolúvel. Mas não é. Existem muitos empresários, parlamentares e policiais honestos e sérios no Paraguai. O currículo de Moro serve de ponte para aproximá-lo desse pessoal. Se não conseguir resolver esse problema, o ministro Moro vai ser mais um a enxugar gelo na segurança pública. Podem anotar.

 

Carlos Wagner

Repórter