Mulheres negras movem o Brasil: contra o racismo, a violência, pelo bem viver

10 de dezembro de 2018

Quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela”.

Angela Davis

 

 

Neste início de dezembro, todos os caminhos levaram as mulheres negras ativistas brasileiras a Goiânia. Elas participaram do Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 anos: Contra o Racismo e a Violência e Pelo Bem Viver – Mulheres Negras Movem o Brasil. O encontro começou na última quinta-feira (6) e encerrou-se neste domingo, dia 09, em Goiânia/Goiás, reunindo cerca de mil mulheres de todo o país. As participantes foram definidas a partir de encontros e reuniões preparatórias realizados por todo o país e estão reunidas na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

As participantes vêm do campo e da cidade, das periferias, são quilombolas, religiosas de matriz africana, trabalhadoras domésticas, jovens e de todas as idades, na luta pela manutenção e conquista de direitos e pela convergência de esforços no embate a todas as formas de opressão e submissão das mulheres negras no Brasil e mobilizadas pela formação de redes de fortalecimento e ampliação de parcerias.

Além de debates, o Encontro teve uma diversificada programação formativa, artística, literária e cultural e em homenagem ao legado de mulheres negras que contribuíram na luta contra o racismo, as salas, auditórios e espaços livres estão sinalizados com os nomes dessas lideranças históricas, como Luiza Bairros, Lélia Gonzalez, Carolina de Jesus, D. Ivone Lara, Fátima de Oliveira, Catarina Mina, Sílvia Catanhede e Francisca Poderosa. Contando também com feiras, apresentações culturais, oficinas, palestras e rodas de conversa com temas diversos, como saúde, religiosidade afro-brasileira, encarceramento em massa e desafios e perspectivas do movimento de mulheres. A filósofa e escritora Sueli Carneiro, a escritora Conceição Evaristo e a também filósofa e feminista norte-americana, militante, Angela Davis estão presentes.

Há também, espaços de saúde e uma grande feira com produtos das “afro empreendedoras”. Roseli Rosa, militante e participante, viajou 12 horas com a delegação de Minas Gerais e conta o que espera do evento: “Estou muito feliz e tenho certeza que teremos um ótimo encontro que possibilitará a troca de vivências e saberes, pois nossos passos vem de longe e o momento agora é de resistência”, sinaliza.

A presença mais aguardada, sem sombra de dúvida foi a de Angela Davis, dos Panteras Negras. Dava para sentir a emoção no ar. Uma calorosa e efusiva salva de palmas foi igualmente retribuída em uma fala protocolar, mas sincera. “Primeiramente, deixe-me dizer a enorme honra que é ter sido convidada para participar deste Encontro Nacional de Mulheres Negras”. Em sua saudação, na abertura do encontro, Angela Davis recordou o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março deste ano no Rio de Janeiro, ao qual chamou de “brutal”. “Nós devemos manter seu legado vivo, enfatizando as interconexões entre racismo, misoginia, pobreza e homo e transfobia”, reiterou.

 

 

O evento marca os 30 anos do primeiro encontro, 1988, em que mulheres do movimento negro se uniram para discutir formas de enfrentar a violência e a opressão que cerca a vida das mulheres. O 1° Encontro Nacional de Mulheres Negras (1º ENMN) foi realizado entre os dias 02 e 04 de dezembro de 1988, em Valença (RJ). O evento contou com a participação de 450 mulheres negras de 19 estados e foi precedido por encontros e seminários estaduais de mobilização e debate político. Considera-se que Valença contribuiu para impulsionar o movimento contemporâneo de mulheres negras, ao permitir um exercício de identificação da urgência em ultrapassar as fronteiras do feminismo através de uma articulação da questão racial com as questões de gênero e classe. Reafirmando o papel das mulheres negras como sujeito central no processo de reivindicação por uma sociedade justa, igualitária e sem discriminação, a partir de seus próprios referenciais.

No ano do 1º ENMN, aconteciam os festejos do Centenário da Abolição. Pegando este mote, as mulheres negras reunidas em Valença construíram a crítica a esses festejos e realizaram debates sobre racismo, educação, trabalho, saúde, organização política, sexualidade, arte e cultura em oficinas e outras atividades, momentos cruciais para refletir sobre o conceito de abolição da escravatura e para uma troca de experiências que trouxe luz à diversidade política e cultural que as mulheres negras brasileiras representam, além da importância histórica de replicar os conhecimentos ali intercambiados.

O encontro de 2018 é um encontro histórico. Um momento para celebrar e avaliar os 30 anos do primeiro encontro nacional, um marco no empoderamento das mulheres negras. Desde março deste ano, as ativistas estão realizando encontros nos seus estados e refletindo sobre como estão os seus direitos nos lugares onde vivem e em todo o país. Sendo organizado por entidades do movimento de mulheres negras e, ativistas do campo e da cidade, das periferias, quilombolas, religiosas de matriz africana, trabalhadoras domésticas, jovens e de todas as idades, realizaram atividades prévias nos seus estados e atualizaram a leitura de como estão os seus direitos nos lugares onde vivem e em todo o país. Cada participante está mobilizada em seus territórios na luta pela ampliação de parcerias e redes de fortalecimento, pela manutenção e conquista de direitos e pela convergência de esforços no embate a todas as formas de opressão e submissão da mulher negra no Brasil.

O enfrentamento das violências urbanas, a garantia de direitos sexuais e reprodutivos, o embate ao epistemicídio acadêmico são tópicos propostos pelas lideranças das cinco regiões do Brasil para o Encontro em Goiânia. O acirramento do racismo, o aprofundamento das desigualdades e a concentração de riquezas, feminicídio de mulheres negras, assassinatos de jovens negros e negras, encarceramento e precarização do trabalho, todas essas questões, agravadas nos últimos três anos pela ação de correntes antidemocráticas no país, são temas de debate também.

Eliane Dias, da Rede Afro LGBT e da Rede de Mulheres Negras de Minas Gerais, conta que a realização desse encontro é necessária para fortalecer as organizações de mulheres negras no neste período após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL). “Sendo a primeira grande mobilização popular pós período eleitoral. Apesar de não ter tido ainda a chegada do novo governo, a gente já sente na pele os efeitos. As mulheres pretas, principalmente, já vivem em ambientes hostis, de ameaça, de perigo, mas de muita resistência. Além disso, a partir do encontro, vamos ter um norte para algumas décadas de luta, vamos sair de lá com estratégias de enfrentamento”, explica.

No estado de Minas Gerais, as mulheres negras estão se preparando desde o início do ano para participar do evento. São 80 delegadas, entre LBTs (lésbicas, bissexuais e transexuais), quilombolas, religiosas de matriz africana, atingidas por barragem, pesquisadoras e trabalhadoras de políticas públicas. “O grande desejo das nossas mulheres negras mineiras é de que suas questões sejam debatidas, de que ações efetivas se deem no campo das políticas públicas”, Cris Ribeiro, que também é integrante da Rede de Mulheres Negras de Minas Gerais.

Para Nilza Iraci, do Geledés – Instituto da Mulher Negra/SP, o encontro é “como uma continuidade da Marcha (das Mulheres Negras), aquele encontro lindo de pessoas lindas! ”. Para ela, no momento atual, é do que as pessoas mais estão precisando: do encontro, de estarem juntas!

Recordar e comemorar a ocorrência do encontro de Mulheres Negras de 1988, em Valencia, 30 anos depois, tem como um dos seus objetivos fortalecer a organização das mulheres negras pós eleição presidencial e construir estratégias de ação para os próximos anos. Força que vai inspirar e nutrir todo os movimentos de mulheres e de feministas do país, assim como os movimentos negros.

Referências:

https://www.geledes.org.br/mil-mulheres-negras-reunem-se-em-goiania-em-encontro-nacional/

https://www.geledes.org.br/encontro-de-mulheres-negras-30-anos-acontece-em-goiania-com-os-temas-racismo-e-violencia/

https://www.sul21.com.br/movimentos/2018/12/encontro-nacional-de-mulheres-negras-reune-mais-de-mil-pessoas-na-luta-contra-o-racismo-e-a-violencia/

http://www.cfemea.org.br/plataforma25anos/_anos/1988.php?iframe=enmn_1988

https://www.kickante.com.br/campanhas/encontro-nacional-mulheres-negras-30-anos

Michele Corrêa*

Graduanda em Filosofia na UFPel,

Assessora da Pastoral da Juventude (PJ) e

Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)