Não importa o tempo que Temer ficou preso. Mas que ele foi preso.


Ao mandar prender Temer, o juiz Bretas evitou que ele fosse nomeado por Bolsonaro a um cargo com foro privilegiado? (Foto: reprodução)

“Carimbar a figurinha” é o nome que é dado a uma antiga prática que existe entre os delegados de polícia para lidar com suspeito habilidoso em fazer sumir provas e usar o apoio da comunidade para encobrir os seus crimes. A prática consiste em prender o suspeito por um crime menor por um determinado tempo. Não interessa o tempo. O que interessa é que a polícia mostra que ele pode ser preso. E isso retira dele, perante os seus aliados e amigos, o título de “intocável”. Essa descrição é que mais se ajusta ao que aconteceu com o ex-presidente da República Michel Temer (MDB – SP).

Na semana passada, o juiz federal do Rio de Janeiro Marcelo Bretas, da Operação Lava Jato, decretou a prisão preventiva de Temer e de outras pessoas, entre elas o ex-ministro e governador carioca Moreira Franco. Ficaram quatro dias presos. Na segunda-feira, eles foram colocados em liberdade provisória pelo habeas corpus do desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2). A maioria dos comentaristas políticos dos jornais definiram a prisão como uma resposta da Lava Jato ao fato de os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terem decidido que os crimes envolvendo caixa dois em eleições vão ser julgados pelo Justiça Eleitoral e não mais pela Federal. Sou repórter e vou fazer uma análise do que aconteceu usando a lógica dos meus colegas que fazem cobertura policial. Porque parece mais adequada ao que aconteceu, o que nos facilita explicar para o nosso leitor o que aconteceu e o que vai acontecer no caso do Temer.

Nunca entrevistei o juiz Bretas. Mas tenho acompanhando a sua “caminhada” – um jargão usado pelos repórteres policiais para definir o currículo. Juiz da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, ele colocou na cadeia o ex-governador carioca Sérgio Cabral (que cumpre pena de 120 anos de cadeia) e o então milionário Eike Batista, que foi condenado a 30 anos de prisão e recorre da sentença em liberdade. Aqui começa a história do Temer. Antes de deixar o cargo de presidente da República, ele disse, e foi publicado, que não seria preso como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP), que cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro de 12 anos e um mês em Curitiba (PR). Temer responde a processos, denúncias e a inquéritos policiais por corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e outros crimes. Menos de três meses depois de Temer ter passado a faixa de presidente da República para Jair Bolsonaro (PSL – RJ), Bretas decretou a prisão preventiva dele.

Aqui chegamos aos xis da questão. Ao passar a faixa para Bolsonaro, Temer não saiu da política. Muito pelo contrário. Aos 78 anos, ele tem 32 de vida parlamentar e muita influência entre os deputados federais e senadores do MDB e de vários outros partidos. Isso significa que o grupo de Bolsonaro precisa do apoio dele para aprovar a Nova Previdência Social. Portanto, existia a chance real de ele conseguir um cargo no governo – circula um boato de que poderia assumir uma embaixada – e ter volta o foro privilegiado, o que significaria que só seria julgado pelo STF. Por ser juiz da primeira instância, Bretas “ficaria a ver navios” – uma expressão do jargão das redações para descrever perdedor – no caso de Temer, porque ele subiria para o STF. Ao decretar a prisão preventiva do ex-presidente, o juiz fechou a porta no governo federal para Temer e o ex-governador do Rio Moreira Franco. Bolsonaro se elegeu pregando moralidade na administração pública. Pela publicidade que a prisão teve, são raras as chances de Temer fazer parte do governo. Portanto, não interessa o tempo que o ex-presidente esteve preso. Mas que ele foi preso. Transformou-se em “figurinha carimbada”.

O que irá acontecer agora com Temer segue um roteiro muito conhecido pelos repórteres que fazem cobertura policial. Os amigos e os aliados dele devem começar a se afastar e se transformarem em fontes preciosas de informações para os investigadores e repórteres. Por conta da “onda de moralidade” que está varrendo o país, as dificuldades do grupo político do ex-presidente devem aumentar. O juiz Bretas pensou em tudo isso? Não acredito. Ele é um juiz criminal: apenas seguiu o roteiro.

 

Carlos Wagner

Repórter

 

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