O fechamento do postinho de saúde nas vilas vai aumentar a violência em toda a Porto Alegre
Autor: Carlos Wagner
Constrange a miopia da grande imprensa gaúcha de não ver que o fechamento dos postinhos de saúde nas vilas populares de Porto Alegre vai aumentar o poder das quadrilhas de traficantes sobre uma população que na sua grande maioria é de trabalhadores de baixa renda. Os conteúdos dos noticiários mostram que as redações estão se limitando a publicar os relatos do sofrimento dos moradores e a solução apresentada para o problema pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB-RS). Essa abordagem limitada do problema dá ao nosso leitor a ideia de que os únicos atingidos são os 200 mil habitantes das 108 favelas existentes na Capital. Não é assim. O problema afeta de maneira direta todos os moradores de Porto Alegre e indiretamente os gaúchos de todos os cantos do Estado. Como?
Antes de seguir com a história eu preciso dar duas explicações: a primeira é como chegamos ao problema. Em 2011, o então prefeito José Fortunati (PSB) assinou a lei que fundou o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf), que seria uma maneira de facilitar a contração de pessoal, conforme as autoridades municipais da época. Os sindicatos dos servidores, no entanto, consideraram uma manobra para evitar o concurso público e entraram na Justiça pedindo a inconstitucionalidade da lei que criou o instituto. No último dia 12 de setembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que a lei é inconstitucional. O que significa que Marchezan terá 10 dias, a partir da data em que for notificado (até 10 de outubro não havia sido), para demitir os 1.849 funcionários do Imesf e dar baixa no CNPJ do instituto. Existem, em Porto Alegre, 140 postos de saúde, 77 formados exclusivamente com pessoal do instituto. Nos restantes, em 63 há profissionais do Imesf no quadro de funcionários. Esse é o problema.
A segunda explicação que devo ao leitor. Por que as redações estão publicando a história pela metade? É simples. Houve demissões em massa de jornalistas. Hoje, os repórteres das redações do Rio Grande do Sul, como de resto do Brasil, nunca tiveram um salário tão baixo e também uma carga de trabalho tão grande – eles fazem texto, áudio, fotos, vídeos e cumprem duas ou três pautas por dia. E a “cozinha das redações”, como se chama no jargão jornalístico o pessoal que revisa e publica as matérias, não tem como qualificar os conteúdos antes de colocá-los nos noticiários. A soma dessas duas explicações é o nosso pano de fundo. Voltemos à história.
Marchezan não tem como desobedecer à decisão do STF. Se fizer, perde o mandato e sai da prefeitura algemado pela Polícia Federal (PF). Ele prometeu que a população das vilas não vai ficar sem atendimento médico. Inclusive os técnicos da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) falaram que os postos serão mais equipados. O que o prefeito e seus técnicos não entenderam: a urgência do assunto. Se o postinho fechar, o chefe do tráfico assume o lugar porque será na porta dele que os moradores vão bater em busca de ajuda. Hoje, com ou sem estrutura, o postinho representa a presença da prefeitura na vila. Sempre tem um funcionário para encaminhar o doente. O assistencialismo é uma maneira que os chefes de quadrilha utilizam para manter a fidelidade da população. Lembro que por muitos anos os bicheiros cariocas tiveram um grande poder nas favelas do Rio de Janeiro graças ao assistencialismo que faziam. Esse modelo de poder foi copiado pelos traficantes. Dentro desse quadro é fundamental que o prefeito Marchezan mantenha o postinho aberto e o funcionário que nele trabalha, até conseguir uma solução definitiva. Como ele vai fazer isso sem desrespeitar a ordem do STF é um problema que os advogados da prefeitura vão ter que resolver.
Se a prefeitura tentar solucionar o problema pelo lado mais fácil, demitindo e fechando postos, estará reforçando o poder dos chefes do tráfico de drogas. O que significa mais violência nas ruas da cidade. Nós, repórteres, precisamos nos superar na cobertura desse problema. Temos que conseguir falar com aquelas lideranças nas vilas que não gostam de aparecer no jornal, por vários motivos. Mas são elas que estão conversando com os moradores sobre o problema. Inclusive, elas têm algumas soluções alinhavadas. Colegas, pensem na seguinte situação: tu és pobre, desempregado, com o filho doente e o postinho que existia no lado da tua casa fechou. O que tu vais fazer?
Carlos Wagner
Repórter
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