O indomável espírito suicida de nossa burguesia


No final da década de 1970, um pastor evangélico dos Estados Unidos, chamado Jim Jones veio para a América do Sul e se estabeleceu na Guiana, na época colônia da Inglaterra. Arregimentou fieis e na sequência induziu-os ao suicídio coletivo. Morreram quase mil crentes da seita. Resultou que foi o maior número de mortes de civis estadunidenses em ato deliberado até o ataque de 11 de setembro de 2001, em Nova York. O caso do suicídio coletivo motivado por crença místico-religiosa repercutiu por anos no mundo todo, e ainda hoje consegue impactar corações e mentes.

Pois no Brasil de nossos fatídicos dias de desdobramento do golpe de Estado de 2016 parece que se configura algo similar a um suicídio coletivo. Refiro-me ao auto-sacrifício que se impõe a fração de classe da burguesia industrial. Dois episódios sustentam a minha suspeita de suicídio coletivo simbólico desta gente, ambos ocorridos no último dia 4 de julho, em Brasília, na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI): 1) O aplauso espontâneo e estusiástico ao irresponsável e aventureiro Jair Bolsonaro. 2) A vaia e o protesto contra o ex-tucano Ciro Gomes, por críticas corretas à pseudo reforma trabalhista que corta direitos dos assalariados e provoca insegurança jurídica de toda a ordem.

Assim, a burguesia nacional (me corrijo, é errado chamá-la assim, o correto é “burguesia do Brasil”, uma vez que de nacional não tem nada, está comprometida com projetos que conspiram contra a nossa soberania, com alienação de patrimônio público e alianças geopolíticas que podem nos reconduzir à condição colonial), temerariamente, opta por um caminho perigoso e de difícil reversão: o caminho do desmonte do Estado e da incerteza absoluta quanto ao futuro da nossa autodeterminação nacional.

O enfraquecimento do Estado brasileiro resultará – de forma inexorável – no enfraquecimento do setor produtivo no País. Os desdobramentos do golpe de 2016 apontam para uma crise estrutural sem precedentes no Brasil. Os empresários da CNI parece que estão sob o efeito de alguma droga poderosa ou sob algum efeito místico que anula completamente o seu instinto de sobrevivência como classe, daí ao suicídio coletivo simbólico é um passo fatal e previsível.

Quem está no comando desta jornada insana e destrutiva no País é o Poder Judiciário auxiliado por bolsões do Ministério Público mesclado com a Polícia Federal. O Poder Executivo e o Poder Legislativo estão completamente desmoralizados porque colonizados por malfeitores de todo o gênero.

O País está parado. A economia se arrasta como pode. Estamos à deriva num mar revolto e ameaçador. Os níveis de desemprego alcançam cerca de 14 milhões de brasileiros e brasileiras, sobretudo os jovens. Outros 30 milhões de brasileiros voltaram ao nível abjeto e desumano que situa-se abaixo da linha de pobreza. Temos 30 milhões de pessoas que são menos que pobres, são miseráveis que sequer comem todos os dias, vivendo como animais errantes na luta de todos contra todos no qual se transformou o Brasil depois do golpe contra a presidenta Dilma.

O remédio ou o contra-veneno para esta situação estruturalmente crítica e trágica é a realização de eleições gerais livres e participativas, onde a presença de Lula é fundamental para a legitimidade e lisura do processo eletivo.

Um novo pacto nacional é necessário, sob novas bases, inclusive corrigindo os erros e omissões do pacto anterior que elegeu e sustentou Lula no seu primeiro mandato como presidente. Demover os suicídas de seu insano intento é tarefa urgente. Compete-nos apresentar saídas historicamente factíveis e politicamente abrangentes para a formulação de um novo bloco no poder, agora sem as concialiações de classe que acabaram nos levando para o fundo abismo em que nos encontramos.

Lula, mesmo preso injustamente, e cada vez com mais força popular, continua com o papel protagônico neste cenário de retomada democrática e de saída republicana que volte a contemplar as grandes massas e o setor produtivo, em detrimento do entreguismo insano e do indomável espírito suicida da burguesia do Brasil.

Cristóvão Feil, sociólogo

Em 16 de julho, 2018