“Quem é esse menino negro? Que desafia limites?
Apenas um homem. Sandálias surradas.
Paciência e indignação.
Riso alvo. Mel noturno.
Sonho irrecusável. Lutou contra cercas. Todas as cercas.
As cercas do medo. As cercas do ódio.
As cercas da terra. As cercas da fome.
As cercas do corpo. As cercas do latifúndio”.
(Versos de Pedro Tierra escritos por ocasião do martírio de Padre Josimo)
Era sábado, 10 de maio de 1986, véspera do dia das mães quando Padre Josimo, aos 33 anos, único filho de dona Olinda, é covardemente assassinado ao chegar ao prédio da Mitra Diocesana de Imperatriz, MA, onde funcionava o escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Araguaia-Tocantins. Padre Josimo Moraes Tavares era coordenador da CPT no Bico do Papagaio. O pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa efetuou dois disparos com uma pistola de calibre 7,65. Josimo teve forças para entrar no hospital caminhando, não se curvou às barbáries do latifúndio nem mesmo na hora de sua morte. Aceitou a morte como consequência da fidelidade a seu seguimento a Jesus Cristo, pelo qual fez opção pelos pobres, pelos trabalhadores e trabalhadoras explorados.
Quando Josimo foi martirizado o Brasil vivia momentos de transformações políticas e econômicas que dinamizavam o cenário das relações políticas. Na região do Bico do Papagaio a situação não se diferenciava. Com o anuncio do fim do regime ditatorial havia uma rearticulação política das oligarquias rurais na chamada Nova República. A luta social se encontrava diante de fortes momentos de tensão e conflito por parte de fazendeiros e trabalhadores rurais que tinham na Igreja, na CPT, nos sindicatos e nos novos movimentos sociais do campo uma esperança em ver realmente a Terra partilhada para todos e todas. Josimo é a testemunha fiel e nos ensina de que vale a pena dar a vida pela causa do Reino, das comunidades e do povo. Sua morte significou o compromisso assumido em denunciar as estruturas de morte alimentadas pelas injustiças políticas de mandos e desmandos de uma oligarquia rural que ousava (ou ainda ousa) se estabelecer no poder da República. É neste sentido que Josimo se torna o padre mártir da Pastoral da Terra ao selar com seu sangue uma opção, um compromisso e um engajamento na defesa dos oprimidos, em especial, os trabalhadores rurais.
Um padre negro que amou tanto seu povo, a ponto de levar até as últimas consequências o mandamento de Jesus, “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15, 12-13). Entregou a vida, santificou o nome de Jesus e se tornou semente de outros lutadores e lutadoras, de outras e outros Josimos, não calaram sua voz nem sufocaram seu testemunho. A luta contra o latifúndio, a opressão, a luta por pão e dignidade para os camponeses continua.
Padre Josimo sabia que o queriam morto, era alvo de várias ameaças, em 15 de abril de 1986, cinco tiros foram disparados contra sua camioneta Toyota, ao que respondeu dizendo:
“O discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguiram a mim, hão de perseguir vocês também. Tenho que assumir. Agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? Eu pelo menos nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos e nem riqueza sequer, ninguém chorará por mim. Só tenho pena de uma pessoa: de minha mãe, que só tem a mim e mais ninguém por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidarão dela. Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma consequência lógica resultante do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me levou a assumir até as últimas consequências. A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras. Deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença! Morro por uma causa justa. ”
Talvez, não imaginasse que a hora de sua morte estivesse tão próxima… Porém confiou-se a Deus e continuou sua caminhada de defesa aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, camponesas e camponeses, assumiu o risco de morte … Foi martirizado… Morreu por uma causa justa, assim como Jesus de Nazaré, assassinado por um sistema que produz dor, exploração e morte… Tornou-se símbolo da luta justa em defesa dos pequeninhos, dos oprimidos, dos pobres, dos filhos amados de Deus. Seu nome está presente em centenas de Acampamentos de Sem Terra, de Assentamentos de Reforma Agrária e de Comunidades Eclesiais de Base. Continua vivo, vivo nas memórias do povo, nas experiências dos educadores e educadoras populares, nos escritos da Teologia da Libertação e no compromisso agentes de pastorais que continuam reafirmando o mesmo compromisso com o Reino, com a causa de um novo mundo, com a justiça social e a solidariedade para com os excluídos da sociedade.
Em tempos de retrocessos, ataques aos diretos conquistados com muito trabalho e luta dos movimentos sociais, comunidades eclesiais e pastorais, Padre Josimo é fonte inspiração que fortalece nossa mística, inspira nosso caminhar e nos desafia a permanecermos firmes nas trincheiras da luta justa por vida e vida em abundância para todas e todos. Josimo está vivo, presente na caminhada!
“Renascerá, renascerá, o teu sonho, Josimo,
De um novo destino renascerá!
E chegará, e chegará tempo novo sagrado
Há tanto esperado, pra nós chegará!”
(Renascerá, homenagem de Zé Vicente, movido pelo testemunho de Josimo)
Referências:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519890-padre-josimo-tavares-27-anos-de-martirio
Michele Corrêa
Negra, Graduanda em Filosofia na UFPel,
Militante da Pastoral da Juventude (PJ) e
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)