Por que a mídia não fala sobre as tragédias do continente africano?


(Foto: Denis Onyodi: IFRC/DRK/Climate Centre – via Flickr)

O mês de março, foi um mês marcado por tragédias no Continente Africano, no dia 10/03, foi a queda do Boeing da empresa Ethiopian Airlines, que deixou todas as 157 pessoas a bordo mortas, incluindo pelo menos 22 funcionários das Nações Unidas. Aeronave caiu logo após decolar da capital da Etiópia, Adis Abeba. O destino do voo era Nairóbi, no Quênia, onde teve início na segunda-feira (11/03) a Assembleia da ONU para o Meio Ambiente. Na manhã de quarta-feira (13/03) ocorreu o desabamento de um edifício residencial que abrigava uma escola de ensino primário em Lagos, na Nigéria. Segundo informações da emissora BBC, ao menos oito crianças morreram. No dia 15 de março o ciclone tropical Idai atingiu três países da costa africana deixando um rastro de destruição, fome e sede, fazendo o número vítimas fatais passar de 750. Equipes restauram a eletricidade, a água e tentam evitar o surto de cólera, disseram autoridades no domingo, 24. Em Moçambique, o número de mortos subiu para 446; no Zimbábue há 259 mortos e pelo menos 56 vítimas fatais no Malawi, um total de 761 nas três nações.

Todos os números de mortes ainda são preliminares, alertou o ministro do Meio Ambiente de Moçambique, Celso Correia. À medida que as águas das inundações baixam, mais corpos são descobertos e o número de mortos só em Moçambique pode estar acima da estimativa inicial de 1.000. Quase 110 mil pessoas estão em acampamentos mais de uma semana após a passagem do Idai, disse Correia.

A cidade mais afetada foi Beira, segunda maior cidade de Moçambique, ficou 90% destruída. A metrópole, de 500 mil habitantes, ficou destruída. O Idai é o ciclone mais forte a afetar Moçambique desde o Eline, que em 2000 matou mais de 800 pessoas. Desta vez, o fator surpresa foi determinante para a dimensão dos estragos, já que, ao longo dos anos, centenas de habitações foram construídas em zonas inundáveis de Beira, a segunda maior cidade do país. O número de mortos pode passar de mil.

“É uma região que tem ocorrência frequente de ciclones tropicais. O ciclone Idai teve categoria 3, ou seja, foi extremamente intenso, com ventos que chegaram a 200km/h”, explica a meteorologista Ludivine Oruba, especialista em ciclones no Latmos (Laboratório de Atmosferas, Meios e Observações Espaciais), em Paris. “A diferença é que ciclones desse tamanho raramente atingem a costa: desde 1970, foi o quarto dessa intensidade a chegar a Moçambique”. A especialista observa que a passagem de ciclones tropicais nesta zona africana durante o verão é tão comum quanto os tufões na costa oeste americana – e tratam-se de fenômenos meteorológicos exatamente iguais. Porém, quando ocorrem nos Estados Unidos, eles recebem mais atenção e são melhor documentados.

As equipes de ajuda humanitária estão com dificuldades de chegar à região atingida, tomada pelas águas e o barro. O drama ocorre em dois dos países mais pobres do planeta. As imagens de sobreviventes aguardando resgate em cima das árvores, em meio às inundações, chocaram o mundo. A organização Médicos Sem Fronteiras só conseguiu começar a atuar na terça-feira (19). As equipes de reforço encontraram hospitais danificados, sem telhado nem luz.

“O acesso à cidade está muito complicado desde o fim de semana. Nossa equipe só conseguiu chegar na terça. Nosso foco é visitar os hospitais, já que há urgência em atender os feridos e afetados”, relata Gwenola Seroux, diretora das missões de urgência da Médicos Sem Fronteiras França. “Vamos identificar os grupos de populações que tentam se proteger e ver como podemos levar alguma ajuda, principalmente água potável e equipamentos de proteção, lembrando que a chuva não parou em Moçambique. As famílias tentam se proteger em condições assustadoras, no meio das enchentes. O Programa Alimentar Mundial, da ONU, estimou que entre 500 e 600 mil pessoas precisarão de ajuda após o Idai. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que haja pelo menos 1 milhão de crianças afetadas pelo ciclone em Moçambique. Foi o país mais atingido pela tragédia. Foram registrados ventos de 150 km/hora.

O ministro lembrou que a água empoçada com a inundação também tem disseminado doenças. “É importante termos consciência de que vamos ter cólera, malária, já temos elefantíase, e vai haver diarreias. O trabalho está sendo feito para mitigar [os surtos]”, disse ele em coletiva de imprensa. A baixa da inundação, no entanto, já permitiu que o governo pudesse enviar médicos para várias regiões, para acompanhar a saúde da população local.

Sábado (23), já no final do dia, as autoridades locais conseguiram tirar a cidade de Beira, capital da província de Sofala, do isolamento. A Estrada Nacional Número 6 (EN6) foi reaberta após uma semana inacessível. A EN6 é estrada principal da região central de Moçambique. Atravessa as províncias de Sofala e Manica, ligando Beira ao Zimbábue.

“Alguns vão estar em situações críticas, de vida ou morte. Outros terão tristemente perdido suas vidas, o que, apesar de ser uma tragédia, não é ameaça instantânea à vida”, disse o coordenador do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), Sebastian Rhodes Stampa.

Moçambique é o país mais atingido pela crise humanitária, com milhares de lares destruídos e pessoas deslocadas por uma área de 3 mil quilômetros quadrados — praticamente o tamanho de Luxemburgo. “Podemos determinar o tamanho, mas não a circunstância. Então estamos trabalhando no solo, resgatando pessoas com auxílio de helicópteros para determinar quais são as necessidades críticas”, disse Stampa.

O rapper americano Meek Mill resolveu fazer um questionamento em sua conta nas redes sociais: “Por que a mídia não fala sobre a tragédia de Moçambique? ”, publicou. Estamos vendo que a mídia é bastante seletiva no acompanhamento de mortes em massa, existe uma tragédia enorme em Moçambique e não tem nenhum jornal televisionando, não tem nenhum país desenvolvido prestando qualquer ajuda. O continente africano está vivendo a pior tragédia humanitária no hemisfério sul, mas mesmo assim a mídia pouco comenta sobre o caso.

Assim como a queda do Boeing da empresa Ethiopian Airlines, na Etiópia ou o desabamento da escola de ensino infantil na Nigéria, a situação de Moçambique, embora totalmente desoladora, não é suficiente para que as redes sociais sejam inundadas por hashtags “#SomosTodosMoçambique”, temas em fotos de perfis ou stories… A dor das populações negras, simplesmente não choca, não escandaliza…

 

 

Michele Corrêa

*Graduanda em Filosofia na UFPel, Feminista Negra, Assessora da Pastoral da Juventude (PJ) e Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

 

 

Referências:

https://www.jb.com.br/internacional/2019/03/991397-numero-de-mortos-do-ciclone-idai-passa-de-750.html

http://br.rfi.fr/africa/20190321-entenda-o-ciclone-que-devastou-mocambique-e-zimbabue

https://portalrapmais.com/meek-mill-questiona-porque-a-midia-nao-fala-sobre-a-tragedia-de-mocambique/?fbclid=IwAR1O1walRoCwyzNVJvrxObB7iflM1KEhWuGn7p4zWplG4I6_nn3EFHEQTlg