Ato público discute as problemáticas da mineração no RS
Por: Maiara Rauber
Durante a Feira da Economia Solidária, movimentos populares e organizações sociais se reuniram para o debate
“Este momento faz parte do nosso processo de acumulação de força, de conhecimento em relação ao que está acontecendo. É o modo de evitarmos um dano grave no nosso estado”, ressaltou Mauri Cruz, diretor da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e integrante do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, no inicio do ato público que denunciou os desastres ambientais e a ação das mineradoras no Rio Grande do Sul. O debate realizado durante a 26ª Feira Internacional do Cooperativismo, em Santa Maria, na região central gaúcha, no último dia 13, teve como organizadores o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Levante Popular da Juventude, o Movimento em Defesa da Soberania Popular na Mineração (MAM), a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), a Abong, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa.
Para a explanação sobre a mineração no RS foi convidada a militante do MAM Michele Ramos. Ela destacou a importância dessa conversa na feira, uma vez que o objetivo é divulgar essa problemática nos diversos espaços. Michele mencionou os quatro projetos de mineração que estão mais avançados no território gaúcho, os quais estão situados entre Eldorado do Sul e Charqueadas (para extração de carvão, areia, brita e cascalho), na região Metropolitana de Porto Alegre; em São José do Norte (titânio), na região Sul; Lavras do Sul (fosfato) e Caçapava do Sul (cobre e zinco, chumbo, prata), na Campanha.
Em seu relato, a militante projetou um mapa que contextualiza os estudos realizados pelo MAM, com o intuito foi explicar melhor o que significa a mineração no RS. “Esse mapa está dividido em bacias hidrográficas, por isso que ele está todo colorido. As manchas verdes são as autorizações de pesquisa já iniciadas, e as manchas roxas são as concessões de lavra”, pontuou Michele.
Além desses quatro projetos em destaque, existem em seus entornos mais de 160 outros projetos de mineração no sul do estado. “Isso significa, que são áreas para expansão futura de mineração. O RS que praticamente não tem uma tradição em mineração poderia passar nos próximos dez, vinte anos, a ser o terceiro ou quarto estado minerador”, alertou. Outro ponto posto para reflexão foi a comparação com os acontecimentos de Minas Gerais. Michele apontou que lá há pouca fiscalização nesses tipos de empreendimentos. “Depois do rompimento de Brumadinho, especificamente no estado todo de MG, existiam cerca de cinco fiscais para supervisionar cerca de 300 barragens do estado”, reafirmou.
A representante do MAM também abordou a situação das comunidades que vivem nos arredores das minas. Nesses locais, de acordo com Michele, as mineradoras buscam naturalizar as explosões, a poeira de carvão e a falta de água potável. As empresas de minério inviabilizam economicamente as comunidades atingidas, tornando-as dependentes desse modelo de produção.
Michele concluiu seu relato destacando as lutas que estão ocorrendo nos últimos meses no estado. Nas audiências públicas realizadas, relacionadas à Mina Guaíba, 85 a 90% das manifestações foram contra o projeto. “É uma luta que envolve tanto o campo quanto a cidade”, finalizou.
O deputado Edegar Pretto também se fez presente no ato contra as minerações e os desastres ambientas. Ele destacou que o processo das mineradoras é silencioso. O parlamentar ressaltou a importância da mobilização popular. Pretto e a deputada Luciana Genro solicitaram, à presidenta da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), audiências públicas em todos os municípios que serão atingidos pelos projetos de mineração no RS. “Se não tiver resistência, e nós não barrarmos o projeto da Mina Guaíba, os outros 166 projetos serão automaticamente autorizados, como um sopro”, enfatizou.
Já o frei Sérgio Görgen, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), defendeu que não há necessidade de ser contra todos os projetos de mineração, mas cita três pontos que devem ser avaliados antes da implantação de mineradoras. “Primeiro, contribuir para a soberania nacional; segundo, garantir o bem estar da população do entorno; e terceiro, servir para o desenvolvimento e justiça social no nosso país”.
“Não é desastre, não é acidente, é crime”
Hélio Sato, assessor técnico da Cáritas Brasileira – Regional MG e representante de atingidas e atingidos pela Barragem de Fundão, em Mariana (MG), foi o último a dar o seu depoimento no ato público. Ele reproduziu um relato de Angélica Peixoto, atingida da cidade de Paracatu. “Aprender a ser atingida, tarefa difícil a minha, tarefa difícil a nossa, aprender a ser atingidos. Como assim? Precisamos nos comportar como atingidos? Tem comportamento próprio para atingido? Não sei. Sei que precisamos aprender, viver e conviver com essa realidade. Realidade que me faz pensar em direitos, reuniões, assembleias, acordos, fundação, reconstrução, reassentamento. Conceito que me deixa confusa. Confusão que dificulta a compreensão. A apreensão de palavras simples, pedir, exigir, negociar, lutar, certo ou errado. Choro por isso. Me sinto atingida, por não saber ser atingida. Perdi lar, objetos afetivos, sentimento de pertencimento, acolhimento, conquistas. Não sei, como atingida, contabilizar minhas perdas ou o que ainda posso perder. Como calcular a extensão de tudo o que aconteceu? A lama de rejeito nos atingiu e junto com ela veio a morte metida a ganância, o preconceito e a discórdia. Medo. Medo do futuro, medo de não reconhecer a nova Paracatu, medo de não conhecer a nova Paracatu, medo da não reconstrução de Paracatu, medo de perder amigos no caminho, medo de sentir medo. Tem curso para aprender a ser atingido? Não, mas o tempo vai ensinando. Nesse processo de reflexão, percebo, compreendo e aceito que não há um modelo. Nem é externo a mim. Vou aprender sendo o que sou. Atingida pela lama da barragem de Fundão. É necessário assumir o lugar de protagonista, de sujeito de direitos. Mas não sozinha, e sim com a minha gente. Gente que sente e que passa pelo mesmo aflito. Vou aprender pois estou no caminho”.
Sato afirmou que nenhuma barragem hoje é segura. Ele ainda evidenciou o padrão das mineradoras em suas falas. “Sempre com o discurso de distribuição de renda, emprego. Mas na verdade elas buscam o lucro”, frisou. O assessor técnico também enfatizou o simbolismo carregado pelas barragens. De acordo com Sato, as barragens se apropriam dos territórios, dos povos tradicionais, dos assentamentos rurais. “Nenhuma comunidade está livre de ser tirada a força”, concluiu.
Maiara Rauber / MST