Carta política da 18ª Jornada de Agroecologia reafirma a resistência popular
Por: Comunicação da 18ª Jornada de Agroecologia
Lida no ato de encerramento da Jornada, documento lista conjunto de retrocessos por um Estado autoritário e anuncia a agroecologia como projeto para o país.
Para as/os participantes da 18ª Jornada de Agroecologia do Paraná o enfrentamento e superação do ódio social e violência, assumidos como projetos pelo Estado brasileiro e mercado, passam necessariamente pela resistência conjunta das diferentes expressões sociais. “A superação e o enfrentamento dessa cruzada de ódio social e de violência só se dará com aglutinação na resistência, na unidade e na diversidade. Não nos deixemos governar pelo medo e pessimismo. Avancemos em luta com esperança e perseverança”, dizem os povos do povos do campo, das águas, das florestas e da cidade, em um trecho da carta política da 18ª Jornada de Agroecologia do Paraná.
O documento lido no ato de encerramento da Jornada, na tarde deste domingo, encerra a agenda que transformou a capital paranaense, entre os dias 29 de agosto a 01 de setembro, em espaço democrático de resistência, de luta popular e de alimentação saudável.
Os números demonstram a grandiosidade da Jornada. Vieram à Curitiba 24 caravanas oriundas de diversos estados e de fora do país. As ruas e praças da cidade foram ocupadas por 69 entidades, movimentos sociais e organizações, 100 coletivos de produtores participantes da feira da agrobiodiversidade, 12 coletivos no espaço Culinária da Terra com alimentos típicos do nosso chão. Os quatro dias de Jornada receberam 25 apresentações culturais. A Jornada ainda contou também com a Marcha dos 30 anos de luto e luta da educação pública paranaense, apresentações de pesquisas, oficinas e seminários e o Túnel do Tempo, com visitação de 2700 pessoas.
Com números importantes, laços fortalecidos, conhecimentos atualizados e compromisso renovado com a luta, a Jornada segue ativa, para além do período de sua realização. “A Jornada é um processo permanente e contínuo de trocas de saberes: no cultivo da terra, no semear da agrobiodiversidade e no cuidar da água, na colheita da soberania alimentar, no uso das plantas medicinais e terapias naturais, nas escolas do campo, nos conhecimentos dos guardiões e guardiãs das sementes e na ciência cidadã. É uma construção de projeto popular soberano, com arte, cor, sabor, amor, cultura, poesia e alimento saudável”, diz outro trecho.
A agroecologia, enquanto um projeto político, social, cultural, ambiental e econômico, é reafirmada como o caminho a seguir, coletivamente, frente à “implantação de um projeto que desmonta a soberania nacional, a democracia e os direitos assegurados pela Constituição de 1988”, diz outro trecho. “No mais adverso momento de crise política, social, econômica e ambiental depois da ditadura militar no Brasil, a Jornada de Agroecologia inscreve-se nas marchas da resistência popular”, destaca a Carta.
O documento destaca o conjunto de medidas assumidas pelos diferentes poderes, com sustentação conjunta da mídia comercial e o sistema financeiro, para implementação de um projeto de país mínimo para o povo e máximo para o capital.
Leia a carta na íntegra:
Carta da 18ª Jornada de Agroecologia
Nós, povos do campo, das águas, das florestas e da cidade, representados por 24 caravanas oriundas do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e do Paraguai, construímos a 18ª Jornada de Agroecologia, na capital paranaense. Transformamos Curitiba num espaço democrático de resistência, de luta popular e de alimentação saudável. Ocupamos as praças e ruas com 69 entidades, movimentos sociais e organizações, 100 coletivos de produtores participantes da feira da agrobiodiversidade, 12 coletivos no espaço Culinária da Terra com alimentos típicos do nosso chão. As 25 apresentações culturais abrilhantaram a Jornada, que contou também com a Marcha dos 30 anos de luto e luta da educação pública paranaense, apresentações de pesquisas, oficinas e seminários e o Túnel do Tempo, com visitação de 2700 pessoas.
No mais adverso momento de crise política, social, econômica e ambiental depois da ditadura militar no Brasil, a Jornada de Agroecologia inscreve-se nas marchas da resistência popular. Manifestações de contestação se alastraram pelo país já durante a festa popular do Carnaval e especialmente na Vigília Lula Livre, no acampamento indígena Terra Livre, nas ocupações e levantes estudantis, na Greve Geral, na Marcha das Mulheres Indígenas e na Marcha das Margaridas.
O conluio dos poderes judiciário, executivo e legislativo, com o sistema financeiro e a mídia empresarial produziu o golpe institucional que culminou na prisão do presidente Lula e na vitória de um projeto fascista marcado por sua extrema violência com a eleição fraudulenta de Jair Bolsonaro, arquitetado com o imperialismo dos Estados Unidos e suas empresas transnacionais na implantação de um projeto que desmonta a soberania nacional, a democracia e os direitos assegurados pela Constituição de 1988.
Vivemos numa época de totalitarismo global, em que o capitalismo ultraliberal na economia, com altíssima concentração de riqueza, opera sem democracia e fecha os espaços de participação e controle social. No mundo, a renda dos 26 mais ricos equivale a renda dos 3,8 bilhões mais pobres. No Brasil, cinco bilionários mais ricos têm a mesma renda de 105 milhões dos mais pobres. São 13 milhões de desempregados, 60 milhões de endividados e o país voltando ao mapa da fome.
O agronegócio, as mineradoras e grandes empreendimentos hidrelétricos e de infraestrutura avançam sobre todos os biomas depredando a biodiversidade, contaminando a água, invadindo com violência os territórios dos camponeses e camponesas, indígenas, quilombolas e das populações tradicionais. O bioma Cerrado, pela devastação acelerada, já ultrapassou sua capacidade de auto-regeneração. A floresta amazônica está em chamas onde latifundiários do agronegócio, no dia 10 de agosto de 2019, realizaram o “dia do fogo” dando início a um grande incêndio que alarmou a humanidade. Os rios sendo mortos com a contaminação por agrotóxicos e por graves crimes ambientais como o rompimento da Barragem da Vale, em Brumadinho e outras situações de verdadeiro ecocídio, sob ameaça ou em andamento.
Sofremos a destruição dos órgãos de vigilância e fiscalização ambiental, com flexibilizações do licenciamento ambiental, permissivo para grandes empreendimentos e o agronegócio. O discurso das mais altas autoridades é estimulador do desmatamento, na contramão dos compromissos do país com o combate ao aquecimento global. O agronegócio é um agente ativo no desequilíbrio dos ecossistemas e principal responsável pelas mudanças climáticas.
A agroecologia assegura alimentos saudáveis e água pura. Para o agronegócio somente neste ano houve a liberação de 290 agrotóxicos. Em 326 cidades do Paraná, foram encontrados 27 agrotóxicos obrigatoriamente monitorados na água para consumo humano. Já são 90 transgênicos liberados comercialmente no Brasil, sendo que 70 são modificados para tolerar venenos. É o domínio das corporações do veneno e das sementes transgênicas, protagonizadas pela Bayer/Monsanto, ChemChina/Syngenta, DuPont/Dow e Basf. Estão sendo exterminadas bilhões de abelhas e outros polinizadores essenciais para a agricultura.
Na implantação do Estado mínimo para o povo e máximo para o capital, o governo Bolsonaro desmonta as políticas públicas com: paralisação da reforma agrária e reconcentração fundiária, redução de áreas de unidades de conservação, oposição frontal à demarcação de terras indígenas e titulação de territórios quilombolas e desmonte dos programas de fortalecimento da agricultura familiar. Retira direitos previdenciários, trabalhistas e cria facilidades aos empresários na ampliação da exploração da classe trabalhadora.
Os cortes na educação brasileira, especialmente nas universidades públicas, podem, no curto prazo, inviabilizar o ensino regular, a pesquisa e extensão e o próprio desenvolvimento nacional. Há o esvaziamento do Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária (PRONERA) e o abandono da educação do campo. Ainda, o projeto “Future-se”, proposto pelo Ministério da Educação, é o desmonte da universidade pública e a afronta da autonomia universitária, constitucionalmente garantida. Para nós a educação é direito e não mercadoria, com acesso universal garantido pelo Estado.
O Brasil está à venda. A entrega de nossas estatais e de nossos bens comuns é a principal oferta do Ministro Paulo Guedes. As privatizações acirram nossa dependência tecnológica e econômica. A nossa defesa central é da soberania nacional e do patrimônio público à serviço do povo brasileiro.
O discurso público de Bolsonaro, de Wilson Witzel, de Sérgio Moro e outras autoridades defende o uso da violência contra a população a partir de um Estado policialesco, militarizado, combinado com o cerceamento dos espaços civis de manifestação, fechamento de conselhos de participação social e a criminalização de movimentos sociais populares, defensores e defensoras de direitos e opositores. A liberalização do porte de armas de elevado calibre e automáticas consta das prioridades do governo. Pairam várias ameaças no Congresso Nacional com a tramitação de projetos de leis para transformar em crime de terrorismo as manifestações populares.
A Força Tarefa da Lava-Jato, com suas combinações entre Ministério Público, Polícia e Justiça Federal, transformou-se num verdadeiro partido político, se valendo do sistema de justiça de forma seletiva, criminosa e corrupta para perseguir inimigos políticos, proteger aliados com a conivência do Supremo Tribunal Federal.
Nós, do movimento camponês agroecológico, sempre tivemos como pressuposto o combate à corrupção e defesa da democracia, mas esse conluio recaiu nas mesmas práticas que visava combater. Todo esse quadro de ilegalidades já era denunciado. As revelações do Intercept Brasil escancaram que a Operação Lava-Jato atuou como uma organização criminosa dentro do sistema de justiça.
Além disso, grupos aliados a milícias privadas manipulam os anseios do povo com notícias falsas, desde o momento pré-eleitoral e durante esses oito meses de governo. Nunca foi tão urgente e necessário defender a verdade e a ciência.
A superação e o enfrentamento dessa cruzada de ódio social e de violência só se dará com aglutinação na resistência, na unidade e na diversidade. Não nos deixemos governar pelo medo e pessimismo. Avancemos em luta com esperança e perseverança!
Agroecologia é um caminho de comunhão e pertencimento à nossa casa comum. É a defesa da Mãe Terra. Costuramos com as mãos dos povos o tecido vivo de nossa biodiversidade que também representa nossa memória, nossas culturas, para um projeto de agricultura camponesa em defesa da vida. Com as nossas práticas garantimos o respeito aos ciclos da natureza, o bem estar animal, a valorização da cultura e dos saberes locais e tradicionais, a continuidade da vida no planeta.
A Jornada de Agroecologia é o anúncio da luta pela liberdade, por alimento saudável, por paz, por justiça e por direitos.
Durante os quatros dias, o centro da capital paranaense foi o palco de manifestação política, técnica, cultural e da feira de alimentos e de sementes e mudas da agrobiodiversidade camponesa. Reuniu milhares de pessoas oriundas de povos indígenas, quilombolas e de terreiros, camponesas e camponeses e juventude de assentamentos e acampamentos dos Sem Terra, de comunidades tradicionais, pescadores artesanais, da agricultura familiar, estudantes, professores, técnicos e trabalhadoras e trabalhadores urbanos.
A Jornada é um processo permanente e contínuo de trocas de saberes: no cultivo da terra, no semear da agrobiodiversidade e no cuidar da água, na colheita da soberania alimentar, no uso das plantas medicinais e terapias naturais, nas escolas do campo, nos conhecimentos dos guardiões e guardiãs das sementes e na ciência cidadã. É uma construção de projeto popular soberano, com arte, cor, sabor, amor, cultura, poesia e alimento saudável.
Esta mobilização se soma às lutas da classe trabalhadora por uma Terra livre do latifúndio, livre da miséria e da fome, livre do trabalho escravo e da exploração do trabalho, livre das violências e assassinatos no campo, livre do racismo, do patriarcado e do machismo, livre da misoginia e LGBTQIfobia, livre da depredação da natureza, livre do autoritarismo e fascismo, livre do agronegócio, livre de transgênicos e sem agrotóxicos.
Por um projeto de país soberano e livre com o povo e o Lula nas ruas!
Viva a luta e a esperança dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade! Viva a 18ª Jornada de Agroecologia!Plenária Final da 18ª Jornada de Agroecologia
Curitiba, 01 de setembro de 2019