Em meio à lama, e com muita luta, resiste uma pequena atingida
Por: Maíra Gomes / Comunicação MAB
Julia Cristina, de apenas 11 anos, sente sua vida mudar com as consequências do crime da Samarco/Vale/BHP, mas já sabe que seu papel é estar organizada
A vida mudou durantes esses três anos do crime da Samarco/Vale/BHP na Bacia do Rio Doce e litoral do Espírito Santo. Pra todas, até mesmo as crianças. Reunidas no Encontro das Mulheres e Crianças do Rio Doce, entre os dias 04 e 05 de novembro em Mariana, mais de 50 crianças compartilham seu dia a dia e pensam juntas um jeito de superar as consequências do rompimento da barragem de rejeitos.
“Estava quase de madrugada e a lama começou a surgir. Eu nunca tinha ouvido falar da barragem e depois que ela chegou que eu ouvi falar e soube como ela era. Estava passando férias, e quando a lama veio minha mãe falou que era a barragem. Nós ficamos só olhando, nem tinha sirene. Olhamos pra ver se ia chegar até na minha casa mas não chegou, graças a Deus, chegou só na rodovia ali em baixo”, relembra Julia Cristina, moradora de Barra Longa, que tinha apenas nove anos na data do crime.
Hoje, com onze anos, Julia se organiza no Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB, que participa com sua mãe e dois irmãos. Ela conta que fica feliz por participar do movimento, porque não ajuda só a si, mas também os moradores de sua cidade e de Minas Gerais.
Apesar de saber a importância da organização e luta, Julia sente no dia a dia as mudanças na cidade e na sua vida após a chegada da lama. Ela conta que costumava brincar com seus primos na rua e na beira do rio, o que não pode mais fazer.
A atingida conta que com a chegada da lama, chegaram também os rejeitos de minério e escombros de todo tipo, além de ter tido todo o fundo do rio revirado. Hoje, a população ribeirinha não sabe mais onde estão os buracos e as pedras. Julia conclui: “Hoje não dá mais pra confiar no rio”.
Seus primos se mudaram “por causa da lama”, e a rua onde mora é quase uma avenida de tanto movimento de carros. “Hoje é cheio de carro pra lá e pra cá. Antes não passava quase nenhum carro na minha rua”, lamenta. Para passar o tempo, ela vê televisão e brinca de baralho com seus irmãos. Mas um novo hábito criado após a chegada da lama tem algo de bom: “Eu fico lendo livros, pode ser de qualquer jeito que eu leio”, conta. Sua última leitura foi Minha querida Assombração, com a qual se divertiu bastante.
Mudanças e esperança
Julia mora com seus dois irmãos e o padrasto. Ela conta que a rotina da casa mudou bastante, depois que sua mãe perdeu o trabalho que fazia. Quando perguntada se sua mãe mudou, a garota responde rápido: “Está mais estressada”. E complementa: “Lá em casa pode estar tudo arrumado mas ela bagunça só pra ter que arrumar alguma coisa porque não consegue ficar parada”.
Com seus irmãos, o trabalho também aumentou já que o mais novo adquiriu pneumonia com a chegada da lama, e a irmãzinha teve “caroços” na pela, que a cada vez que ela coçava “ele abria e juntava com outro”.
Já se passaram três anos do rompimento da Barragem da Samarco/Vale BHP, mas Júlia mantem um único medo. “Só tenho medo de que quando a gente tiver brincando por aí, ela estourar de novo. Não sei que nível ela pode chegar e pode atingir a gente ou alguém da minha família”.
Enquanto busca essa resposta, Julia se organiza e faz a luta dos atingidos. No Encontro de Mulheres e Crianças Atingidas do Rio Doce, que acontece em Mariana nos dias 04 e 05 de novembro, ela ocupou uma cadeira na mesa de debates, onde contou a vida antes e depois do crime. “Hoje foi até meio estranho. Porque outro dia a Letícia (militante do MAB) perguntou para a minha mãe se eu podia ir na mesa e falar. Eu nunca tinha apresentado em público e gostei”. Talvez a leitora já tenha percebido que pode contar sua própria história, e mudá-la.
Comunicação / MAB