Em Santa Maria autoridades exaltam economia solidária e povo ergue a voz para pedir Lula Livre
Durante a abertura oficial da 25a Feicoop as atenções foram divididas entre a Economia Solidária e as manifestações pró-liberdade do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva
A abertura da 25a edição da Feira Internacional do Cooperativismo e Economia Solidária foi realizada na tarde de sexta-feira, 13, demarcando não apenas a oficialidade do evento, mas refirmando a característica de engajamento e militância da plateia que ali estabelece o seu ambiente. Mensagens de resistência frente a agressão neoliberal imperialista, pronunciamentos enaltecendo as iniciativas de economia solidária que sobrevivem apesar de ignoradas ou mesmo boicotadas pela oficialidade subserviente aos interesses do grande capital foram complementadas pela voz do povo que, em diversos momentos, a partir da plateia manifestou as palavras de ordem deste tempo: Lula Livre!
A atividade iniciou com a participação do arcebispo Dom Helio Adelar Hubert, que ao abençoar e dar abertura ao evento manifestou a acolhida a todos os visitantes ao espaço mantido com o apoio a Igreja e enalteceu o trabalho das equipes que se dedicam a organizar o evento, que ao longo dos anos adquiriu o status de maior do segmento no país, na América Latina e no mundo. A seguir, mais que um registro oficial, por meio do procolo se propôs um desafio: a partir do território da feira oportunizar a construção social justa, economicamente viável, ambientalmente sadia, organizadamente solidária e democrática, politicamente democrática, fortalecendo a cultura da solidariedade e da paz, na certeza de que um outro mundo é possível e uma outra economia já acontece.
Testemunho de resistência
As palavras de Irmã Lourdes Dill, coordenadora do projeto Esperança/Cooesperança e vice presidenta da Cáritas/Brasil, remetem a desafios, perspectivas, esperança e resistência. “Procuramos a cada ano firmar a força, a grandeza e a energia deste movimento. Essa não é um momento só de venda de produtos, esse é um momento feito de gente, de consciências, de cultura: por isso resistimos e crescemos, chegando até aqui porque temos na base o povo, a fé, a esperança e a coragem”. Tanto no palco, quando para nossa reportagem, a religiosa relembrou o início – em 1994 -, quando muitos chamaram os envolvidos de loucos, prevendo que o projeto não daria certo, ao que hoje a resposta vem em forma de um evento que serve de exemplo ao mundo. Irmã Lourdes ainda aproveitou a oportunidade para reforçar publicamente a reivindicação de mais políticas públicas para economia solidária junto às autoridades presentes. “A Feicoop resiste porque é feita de pessoas que acreditam na economia solidária como uma causa, fazendo do tema a obra de suas vidas”, concluiu.
O diretor-executivo da Cáritas Brasileira, Luiz Cláudio da Silva, conhecido carinhosamente como “Mandela”, destacou a importância da Feicoop para o fortalecimento da economia solidária no Brasil e no mundo: “A feira construiu um pensamento sobre a economia solidária, sobre os empreendimentos, sobre o tipo de bem viver, construiu uma alternativa à supremacia do capital”. Em seu pronunciamento ainda alertou para que todos precisam estar atentos ao período eleitoral que se aproxima e através da participação consciente no processo fazer valer o compromisso de fomentar a Ecosol: “Temos um grande desafio neste ano de 2018, o desafio de colaborar na construção dos planos de governo, precisamos colocar a solidariedade no pensamento da construção de uma alternativa de sociedade para esse país”.
Utopias conjuntas
Como uma referência de gestor que acreditou na Ecosol e no cooperativismo e procurou desenvolver políticas de estado para o setor, o ex-governador Olívio Dutra – entre as autoridades presentes ao mais aplaudido e festejado pelo público – relembrou com saudade dom Ivo Lorscheider e Paul Singer, projetando na figura presente da Irmã Lourdes o desafio de continuidade do legado de profetismo, trabalho e partilha de saberes do líder religioso que deu início ao projeto Esperança/Coesperança e ao intelectual que dedicou boa parte de sua vida a compreender e projetar a ecosol como alternativa de desenvolvimento para a humanidade.
– Cada um e cada uma de nós tem que ser respeitado em sua individualidade, mas jamais descambar para o individualismo: construir solidária e coletivamente as alternativas sem jamais esquecer da pluralidade e da diversidade -, refletiu Olívio. “A cada uma e cada um de nós, cabe o papel de resistir e construir um mundo de paz e solidariedade, radicalmente democrático, com protagonismo do povo como sujeito e não como objeto da política, com o protagonismo das pessoas e não dos poderosos”.
Lula livre!
Desde o início das falas uma coisa ficou clara: as manifestações da plateia iriam evocar a presença de alguém que poderia estar ali naquele palco, mas hoje encontra-se impedido, na condição de prisioneiro político: Luis Inácio Lula da Silva. O gritos de Lula Livre soaram mais fortes do que qualquer outra manifestação, encontrando eco de modo especial nas palavras do deputado Federal Paulo Pimenta e da representante da Argentina no cerimonial, Claudio George.
Pimenta relembrou nomes de grandes líderes populares que se insurgiram contra o poder, procurando distribuir riquezas e promover a justiça social e foram perseguidos, presos ou até mesmo assassinados, como Martin Luther King, Granshi, Margarida Alves, Mandela, irmã Dorothy, Chico Mendes e Marielle Franco. “Essa feira deve nos trazer momentos de inspiração, deve reforçar nossa fé de que é sim possível construir um mundo diferente, mais justo, solidário, a partir da nossa determinação, coragem e ousadia”, afirmou Pimenta. Já a Claudia relembrou que a economia solidária é uma iniciativa de resistência em todos os continentes frente ao capitalismo que explora, que criminaliza e que mata, arrematando com a afirmativa de que todos devem se unir e uma só voz e clamar por “Lula Livre”.
Ossos do ofício
O prefeito Jorge Pozzobon e o representante do governo do estado Tarcísio Minetto não escaparam de ouvir algumas vaias, mas tiveram seu espaço de fala garantido. Com gentileza protocolar reconheceram a importância da Economia Solidária e das iniciativas de cooperativismo, enalteceram o histórico da Feicoop e as ações protagonizadas ao longo dos 25 anos do evento. Reação diferente a plateia teve para com Maria José Fernandes, representante da Secretaria Nacional de Economia Solidária, que no ato representou o Governo Federal. A servidora não foi hostilizada pelos presentes e fez questão de frisar que sua fala procurava expressar a voz de todos os técnicos e técnicas que trabalham ou trabalharam nas instâncias de governo para viabilizar os projetos de Ecosol.
Simplicidade como exemplo
A Feicoop estabelece durante seu tempo de realização uma espécie de território independente, onde a empatia norteia as normas de convivência e o bem viver é uma opção que se assume conjuntamente, dando sentido ao que se anuncia como uma experiência “aprendente e ensinante”. Gestos simples, como a partilha da água entre todos que sentem sede, a orientação de não fazer uso de cigarros ou derivados de tabaco, evitar o consumo de bebidas alcóolicas e refrigerantes industrializados, bem como a participação de todos na organização do espaço, na manutenção da limpeza e destinação correta do lixo refirmam a ideia de que a transformação que se quer construir no mundo deve sempre começar a partir do indivíduo, da simplicidade do cotidiano, para depois se propor como alternativa concreta para a coletividade.