Há 32 anos assassinavam o “padre negro, das sandálias surradas”

10 de maio de 2018

Legado de luta de Josimo Tavares segue vivo, desafiando novos lutadores do povo a seguir em frente

 


 

          

 

Em um tempo onde aqueles e aquelas que lutam pelo povo denunciam o número das mortes no campo alcançando um triste recorde histórico, impossível não lembrar de um dos mártires dessa longa e cruenta peleia: Josimo Morais Tavares, padre e líder camponês que foi martirizado por pistoleiros à mando de latifundiários em 10 de maio de 1986, na cidade de Imperatriz, no Maranhão.

Padre Josimo era coordenador da Comissão Pastoral da Terra – CPT na região conhecida como Bico do Papagaio, marcada por intensos conflitos de disputa de terra.  O pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa efetuou dois disparos com uma pistola de calibre 7,65, tendo como comparsa Vilson Nunes Cardoso, que andou muito tempo foragido. O padre foi martirizado enquanto subia as escadas do prédio da cúria local, em pleno segundo domingo de maio, Dia das Mães.

– O grande legado dele foi a opção pelos mais pobres, enfrentar com coragem e destemor as ameaças, porque se sentia na palma da mão de Deus -, afirmou o teólogo Leonardo Boff, que foi seu professor no seminário, em entrevista ao documentário “Josimo: o padre negro de sandálias surradas”. No mesmo documentário, a professora universitária Lourdes Lúcia Goi ressalta o que o povo guardou consigo do exemplo de padre: “Nós aprendemos com o padre Josimo que não pode recuar, a gente tem que se doar, nós como cidadãos temos que nos envolver”.

Passam-se 32 anos da martírio como um testemunho que permanece incomodamente atual, como se pode notar nas palavras da nova geração. A jovem Michele Correa, negra, assentada da reforma agrária no Rio Grande do Sul, escreveu um artigo abordando o legado de Josimo: “se tornou semente de outros lutadores, não calaram sua voz nem sufocaram seu testemunho” relata. Para a graduanda em Filosofia da UFPel, o padre martirizado tornou-se um símbolo indestrutível na luta contra o latifúndio. “A opressão, a luta por pão e dignidade para os camponeses continua”, acrescenta ela, finalizando com a afirmativa de que Josimo segue vivo, presente na caminhada.

 


 

Testamento espiritual:

Poucos dias antes do seu assassinato, Josimo legaria um testamento espiritual ao mesmo tempo belo e forte. O texto, pronunciado durante uma assembleia diocesana em Tocantinópolis a 27 de abril demonstrava a consciência plena dos riscos que corria e reafirmava a opção de permanecer lutando ao lado dos mais fracos, pobres, oprimidos e injustiçados, impulsionado pela força do Evangelho. Neste documento confessional, o padre lutador afirmava que sua morte estava anunciada, encomendada e prescrita nos anais das correntes que desejavam ardentemente eliminá-lo.

            – Tenho que assumir, agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? – expressou Josimo. “Quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma consequência lógica resultante do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me levou a assumir até as últimas consequências”, acrescentou, afirmando ainda que em caso de as ameaças lograrem êxito, o medo não o deteria, pois sua morte seria em nome de uma causa justa.

– “O discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguirem a mim, hão de perseguir vocês também“, citou as palavras de jesus expressas no Evangelho, que ali como com tantos outros lutadores do povo ao longo da história da luta de classes, se provariam proféticas. “A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar”, acrescentou, convocando a todos que o ouviam que havia chegado a hora de se levantar e fazer a diferença.

 -Morro por uma causa justa -, reafirmou. Não imaginava, talvez, que a morte viria tão cedo. Dia 10 de maio de 1986, os fazendeiros deram a dona Olinda, mãe do Padre Josimo, o presente que nenhuma mãe merece receber. Em pleno dia das mães, mataram o padre negro, das sandálias surradas. Encerravam a história do homem, deixavam uma mãe sem seu filho, mas não imaginavam que ao povo estavam dando mais um mártir, um exemplo indelével, um guerreiro cujas palavras se mostrariam mais fortes do que qualquer arma de fogo que se utilize contra o povo oprimido.

 


 

Quem foi Padre Josimo?

Josimo Morais Tavares, conhecido como Padre Josimo, nasceu em Marabá no Pará, de família humilde Josimo era filho de uma lavadeira que o teve à beira do Rio Araguaia, em 1953. Ainda criança, sua família se mudou para a cidade de Xambioá , no Tocantins. Aos 11 anos partiu para Tocantinópolis para estudar em um seminário. De lá rumou para Brasília, depois para Aparecida do Norte (SP) até estudar em Petrópolis (RJ), em um seminário Franciscano. Por ser pobre, negro e filho de camponeses, foi alvo de muitos preconceitos. Quando terminou os estudos, decidiu voltar a Xambioá para dedicar sua vida à causa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ao longo de sua vida, denunciou os grileiros da terra, a opressão dos latifundiários contra os lavradores e defendeu os direitos do povo, conscientizando-os sobre sua força. Por suas idéias e ações, causou ódio aos fazendeiros da região. Em 10 de maio de 1986 foi assassinado com dois tiros pelas costas quando subia a escadaria do prédio onde funcionava o escritório da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Padre Josimo está muito vivo e presente nos nossos corações e na mente de milhões de pessoas que lutam para que a terra seja libertada das garras do latifúndio e partilhada com milhões de sem-terra.

 


 

 

Oração ao Padre Josimo

 

Santo Padre Josimo, que foste fiel à causa do Evangelho e à luta dos pobres da terra até às últimas consequências, doando a própria vida pelos que sofrem o abandono, a exclusão e o desprezo, olha por nós lutadores e lutadoras do povo e nos abençoa. Que o teu exemplo seja estímulo para sermos perseverantes e fiéis à causa da Justiça neste mundo. Amém!