Lula em São Miguel das Missões: acolhida de herdeiros de Sepé cala grito raivoso de ruralistas
Na capital dos Sete Povos das Missões, ex-presidente é abraçado por indígenas Guaranis e Kaiganges e renova o espírito de luta no local que simboliza a primeira experiência de socialismo real da humanidade
Em meio as ruínas que compõem o sítio arqueológico de São Miguel das Missões, Luis Inácio Lula da Silva teve a oportunidade de encontrar-se com indígenas e missioneiros que simbolicamente representam o legado do Sepé Tiaraju, herói libertário e santo popular. Na visita, realizada no final da manhã de quinta-feira, 22, junto com a delegação que compõe sua caravana, Lula foi homenageado por guaranis e kaigangues, conversou com lideranças das aldeias e garantiu um pacto de respeito com as pautas propostas pelos indígenas em um novo governo popular.
– Para nós é importante abraçar Lula pela primeira vez. Por quê? Para nós indígenas, Lula ajudou muito”, disse Tereza Fernandes, guarani de Erval Seco ao repórter Luís Eduardo Gomes, do portal Sul21. “A gente espera que quando der Lula de novo ele ajude mais ainda os indígenas”, emendou, citando a esperança dos povos excluídos em voltar a ter um homem do povo na presidência da república. No local que demarca o apogeu e o massacre de povos que ousaram criar um sistema de convívio social igualitário, contrariando os interesses do imperialismo colonial, Lula e sua caravana testemunharam a renovação da luta entre os invasores e os povos tradicionais. No novo embate, porém, um momento de forte carga mística, os gritos e ofensas proferidos pelos representantes do neo-colonialismo que se manifestavam do lado de fora das cercas do parque foram calados pelo canto gentil e sereno dos guaranis e kaigangues que homenagearam os visitantes através de sua língua original.
Mas nem só de indígenas se fez o público presente: estudantes, camponeses, trabalhadores rurais e urbanos, aposentados, professores e muitas crianças também estiveram no local. Em destaque, muitos agricultores que contrariaram a orientação das organizações ruralistas e se separaram da milícia que se formou no lado de fora das cercas do sítio. Um deles, Jair José Rochemback, carregava um cartaz onde se lia a inscrição “sou agricultor, não sou traidor” e explicava com orgulho que graças a programas como o “Mais Alimento” criado no governo petista ele e a família conseguiram desenvolver e equipar a unidade produtiva onde estão instalados, mantendo consigo, no campo, os dois filhos.
Na passagem por São Miguel das Missões Lula não fez discursos, mas se deteve dezenas de vezes para conversar com as pessoas presentes, antes, durante e após a visita. “Esse contato renova as forças, conversar com as pessoas olhando no olho, isso é que motiva a caravana e que me motiva a seguir em frente com muita força e vontade de fazer mais e fazer melhor para todo esse povo, especialmente para os mais humildes, para os que mais precisam”, comentou.
Os mestres de cerimônia na visita foram o ex-governador Olívio Dutra, político de origem missioneira, e o militante social Frei Sérgio Görgen, um relatando os fatos históricos e relembrando a construção de um modelo de convívio considerado por muitos como a primeira experiência real de socialismo, o outro conduzindo o ex-presidente ao meio dos indígenas que prepararam homenagens e lhe presentearam com obras de artesanato típico, sempre fazendo referência ao legado heroico de Sepé e seus companheiros. Ao final da visita, Lula recebeu das mãos de Görgen, um rosário de sementes produzido pelos guaranis, trazendo na extremidade uma cruz trançada em palha, simbolizando o lema da Campanha da Fraternidade deste ano: “Em Cristo somos todos irmãos” (Mt 23,8).
Sobre Sepé, Frei Sérgio explicou: “Ele se transformou na condensação histórica da luta, dos sonhos, dos feitos, do projeto, do heroísmo de um povo”. Abatido em combate, torna-se um mito fundador e transforma-se num símbolo. “É o símbolo maior de um projeto de civilização que foi brutalmente interrompido, mas que continua vivo como sonho coletivo de uma sociedade de irmãos e de iguais”, citou, relembrando o texto de um artigo recentemente publicado no site da Rede Soberania.
Marcos Antonio Corbari | Jornalista
Rede Soberania | Instituto Padre Josimo | MPA
Fotos: Alexandre Garcia
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