Morte de abelhas por agrotóxicos gera representação junto ao Ministério Público Estadual no RS


Apicultores, organizações, movimentos sociais e comunidades da região central do RS realizaram simpósio internacional abordando a relação entre a mortandade de abelhas e a aplicação de venenos agrícolas

            A mortandade de abelhas já tem sido há tempos um alerta quanto a utilização indiscriminada de substâncias nocivas à vida nos cultivos agrícolas. Em meados de outubro de 2018 esse tipo de acontecimento foi registrado em diversos pontos do RS, com destaque à região Central, pela intensidade com que se registrou: mais de 20 milhões de abelhas foram mortas, fragilizando ou até mesmo desconstituindo uma atividade econômica que havia se estabelecido como alternativa de renda para famílias camponesas. Os agrotóxicos utilizados nos monocultivos de grãos – em especial a soja – são apontados como responsáveis.

O fato novo registrado agora é o resultado de laudos científicos que confirmam essa informação e já servem de amparo para uma representação coletiva apresentada junto ao Ministério Público Estadual (MPE/RS) pedindo a abertura de inquérito civil público e propondo ação civil pública e ação penal junto à toda cadeia de responsabilidade que envolve utilizadores, aplicadores, revendedores, distribuidores, importadores e fabricantes.

            Na tarde da última quinta-feira, 28, cerca de 550 pessoas – envolvendo produtores, autoridades, pesquisadores, estudantes, entidades, movimentos sociais e comunidade em geral – estiveram reunidos na cidade de Mata, no Simpósio Internacional Sobre Mortandade de Abelhas e Agrotóxicos. O evento foi promovido pela APISBio (Articulação Para a Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade) e pela APISMA (Associação dos Apicultores e Meliponicultures de Mata), contando com mais de duas dezenas de entidades e organizações parceiras.

Mortandade

            – A abelha é vida, sem elas não somos nada -, afirmou o representante dos apicultores e meliponicultores de Mata, Jaílson Mack Bressan, citando o papel importante que a abelha possui na polinização de inúmeras espécies vegetais e por consequência ao equilíbrio do ecossistema. Para o produtor, além dos prejuízos financeiros e do dano ambiental causado pelo extermínio das abelhas de mais de 480 colmeias e a contaminação por venenos agrícolas de uma área de aproximadamente 18 quilômetros quadrados – possivelmente atingindo também solos, cursos de água e até mesmo pessoas –, a própria sucessão nas unidades produtivas familiares está sendo colocada em risco. “Nosso município em sua maior parte por pequenas propriedades, nós queremos permanecer no interior e vemos no mel uma alternativa que incentiva nossos filhos a permanecer, a fazer a sucessão acontecer”, explicou. Bressan entende que é possível que produtores de grãos e apicultores trabalhem juntos, uma atividade fortalecendo a outra ao invés de prejudicar, mas para isso é necessário uma postura diferente daqueles que fazem uso dos produtos químicos que colocam a vida no seu entorno em risco.

Contaminação

– O resultado das análises químicas efetuadas no mel, nas abelhas, nas crias e nos favos confirma a contaminação por níveis abusivos de agrotóxicos, sendo 2 inseticidas e 3 fungicidas – afirmou Antônio Libório Philomena, perito responsável pela redação do laudo apresentado pela APISBio e pela APISMA, utilizado na fundamentação da denúncia coletiva. O cientista, PhD em Ecologia, alerta ainda que a contaminação é sistêmica e múltipla, não afetando apenas as abelhas e sim toda vida que está estabelecida na área. “As abelhas e outros polinizadores servem como espécies indicadoras da saúde dos ecossistemas e consequentemente da saúde humana”, alertou, reafirmando que novas análises precisam ser feitas levando em conta a provável contaminação de outras formas de vida presentes na área, inclusive seres humanos.  Conforme o laudo apresentado por Philomena, foram encontradas nos favos com mel as substâncias Axoxistrobina, Diflubenzuron, Tebuconazol e Fipronil; nos favos com abelhas foram encontradas as substâncias Azoxistrobina e Aletrina; enquanto nas abelhas foram encontradas as substâncias Azoxistrobina, Diflubenzuron e Fipronil. “O que estamos constando aqui é apenas o começo, abrimos a porta para começar a entender o caso”, concluiu, aconselhando que as pessoas organizem-se e reajam, ou situações semelhantes e até possivelmente ainda mais graves poderão se repetir em breve.

Reação

            – Nossa avaliação é que os objetivos do simpósio foram alcançados -, destacou o advogado José Renato de Oliveira Barcelos, em nome dos organizadores do evento. Para o jurista, que tem atuação nas linhas do Direito Público e Direito Ambiental, a forma como a comunidade acolheu a atividade e se dispor a conectar-se com o tema para discutir e encontrar soluções efetivas para o problema é o principal fator a ser registrado. “Agora temos que ampliar as discussões, esclarecer em escala mais ampla a todos os indivíduos que esse é um problema sério, que até mesmo prenuncia uma catástrofe ambiental”, acrescentou. “A sociedade se apropriou do tema, pudemos discutir de forma aprofundada a questão da mortandade das abelhas e o uso indiscriminado de agrotóxicos, as palestras serviram para deixar as coisas claras, para alertar de como nós dependemos de um ambiente ecologicamente equilibrado”, explicou Barcelos.

A participação em todo o simpósio do Promotor de Justiça Substituto da Promotoria de Justiça da Comarca de São Vicente do Sul/RS, Éder Fernando Kegler, também foi destacada pelos organizadores. O ponto culminante foi a entrega da representação ao Ministério Público Estadual de modo que o promotor pudesse não apenas conhecer a temática, mas receber a peça documental que sustenta a reclamação da comunidade e requer providências para o problema da contaminação pelos agroquímicos que causou a mortandade das abelhas, mas também contaminou pessoas no campo e até nas áreas urbanas de Mata e cidades vizinhas. Para os integrantes da APISBio está posta a necessidade de que a Justiça é o caminho mais adequado para que se possa regular o excesso de agrotóxicos que são colocados nas sobretudo por meio da aviação agrícola. O próximo passo da articulação será a abertura de diálogo com o Ministério Público Federal, uma vez que fatos semelhantes também já foram registrados em outras unidades da federação. “A gente acredita que a partir daqui vão se desencadear ações importantes, queremos levar esse debate a todo país, articular a sociedade civil cumprindo o princípio da participação e da informação que constam na Constituição Federal”, expressou Barcelos, arrematando com uma frase de feito que chama por mobilização: “Temos que enfrentar esse problema de forma conjunta, porque só assim ele poderá ser vencido!”.

Resumo da atividade

A primeira mesa temática de comunicações foi realizada no início da tarde, tendo como norte temático “O problema da mortandade das abelhas”, iniciando com o relato de Jailson Mack Bressan, representante dos apicultores e meliponicultores que tiveram suas abelhas exterminadas, e do professor PhD em ecologia, Antonio Libório Philomena (Programa Harmony Whith Nature/ONU), responsável pelo laudo que comprova a contaminação das abelhas por venenos agrícolas; também se pronunciaram Adi José Pozzatto, representante da Associação Santiaguense de Apicultura e APL Vale do Jaguari; a professora PhD e Dra em Fitossanidade Ana Lúcia de Paula Ribeiro (do IFFAR/São Vicente do Sul); e o responsável técnico para o RS do Programa Nacional de Sanidade Apícola, Mestre em Ciências Veterinárias, Gustavo Nogueira Diehl. No encerramento dessa primeira rodada, o comunicador Marcelo Cougo, do Coletivo Catarse, exibiu uma vídeo reportagem chamada “Medo da Primavera”, abordando a relação entre a mortandade de abelhas em Mata e municípios vizinhos e a utilização de venenos agrícolas.

A segunda mesa temática, realizada na sequência teve como tema “Natureza, instituições e reponsabilidades”, contando com a participação do avogado José Renato de Oliveira Barcelos que pronunciou-se em nome da APISBio; da Dra em Química Martha Bohrer Adaime, do LARP/UFSM; do advogado Jair Lima Krischke, representante do Movimento Justiça e Direitos Humanos; do guardião de sementes Pedro Kunkel, representando o Movimento dos Pequenos Agricultores; do professor PhD em anatomia humana Althen Teixeira Filho (UFPel); do Dr em Recursos Naturais Luis Fernando Wolf (Embrapa); e do Dr em Ciências Humanas Jerônimo Siqueira Tybusch (UFSM). Ao final dos pronunciamentos foi apresentado um documento conjunto assinado pelas organizações que compõem a APISBio e demais forças que somaram-se na organização do simpósio, denominada “Carta de Mata”.

 Carta de Mata

As entidades que integram a APISBio e a APISMA, reunidas no “SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE MORTANDADE DE ABELHAS E AGROTÓXICOS”, vem a público, por meio desta CARTA, externar o seu compromisso com a defesa incondicional da biodiversidade e das presentes e futuras gerações, em uma perspectiva de equidade intergeracional.

A defesa da natureza não admite falhas! Devemos estar comprometidos de forma firme e resoluta em preservar as espécies que compõem o nosso ecossistema, protegendo-as de toda e qualquer contaminação química que ameasse a vida, sobretudo porque nós, seres humanos, seremos as maiores vítimas e os mais prejudicados.

Hoje, não há mais dúvidas na comunidade científica mundial de que os agrotóxicos são os responsáveis principais pela mortandade das abelhas em escala jamais antes vista em outro tempo. Metade dos insetos está rapidamente diminuindo enquanto um terço já está considerada em extinção. Os cientistas concluem que, se não mudarmos as técnicas de produzir os nossos alimentos, todos insetos entrarão em extinção em poucas décadas (Francisco Sánchez-Bayo e Kris Wyckhuys, 2019).

Se não agirmos imediatamente, o custo ambiental do modelo de agricultura hegemônica praticado no país – químico-dependente de agrotóxicos, fundamentado na exploração de grandes extensões de terra, em cultivos agrícolas de baixo valor agregado e produtor de commodities como a soja –, tem se mostrado extremamente elevado e não justifica, em absoluto, os ganhos econômicos que produz, sobretudo porque tem colocado em perigo a natureza, a vida em todas as suas formas e a espécie humana.

Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos otimistas: a vida humana e do planeta estão em perigo e cabe a nós a sua defesa. Estamos vivendo já “na conta” das gerações futuras e não temos o direito de sacrificar a natureza em nome do lucro, lucro este que hoje é concentrado na mão de poucos em detrimento de muitos.

Assim, a APISBio e a APISMA, em um esforço internacional voluntário e que harmoniza e coloca como protagonistas entidades e movimentos da sociedade civil, da cidade e do campo, junto a um grupo de cientistas comprometidos com a salvaguarda do direito à vida, em todas as suas formas, lançam a presente carta como libelo de princípios e proposta de ação concreta contra a contaminação e mortandade de abelhas pelo uso de agrotóxicos, morte de espécies e pela construção de um novo modelo de relação com a natureza e, nele inserido, um novo paradigma de agricultura.

28 de março de 2019, Mata, Rio Grande do Sul, Brasil.

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Marcos Antonio Corbari – Jornalista

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