MPA: Análise de Conjuntura e Perspectivas

11 de abril de 2023

CONJUNTURA E PERSPECTIVAS

O MPA e os Desafios 2023 e do Governo LULA

Frei Sérgio Antônio Görgen ofm

I – Introdução

O Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA-RS, realizou encontros regionais de lideranças, militantes e amigos do MPA para retomar o trabalho de base, o fortalecimento da organização e debater a conjuntura e as perspectivas dos próximos anos. É hora de resgatar a esperança!

O desejo popular expresso pelo resultado das urnas elegeu um projeto de reconstrução e transformação nacional. Derrotar o Bolsonaro foi uma grande vitória do povo. Lula assume compromissos importantes com os pequenos agricultores, que precisamos debater e nos organizar para conquistar e melhorar nossa vida. Trata-se de um grande desafio e uma obra de muitos, a esperança do nosso povo camponês e operário será o motor das mudanças que iremos realizar nos próximos anos. Diante disso o objetivo central do Ciclo de Debates foi realizar uma análise de conjuntura, tratar sobre as perspectivas do governo Lula, aprofundar sobre a reorganização do MPA para o próximo período e abordar a nossa pauta. Mas principalmente a necessidade de manter permanentemente o contato com a base, organizando o povo para conquistar direitos e fortalecer a democracia.

II – Crise estrutural do Capitalismo, Crise Civilizatória, que se expressa em 5 crises visíveis.

O capitalismo é o sistema econômico que domina o mundo. É o sistema em que o capital, os donos do dinheiro e das grandes empresas, precisam sempre ganhar mais dinheiro. O capital precisa se reproduzir. E não está mais conseguindo isto. Concentrou tanto e adquiriu uma característica financeira (controle dos bancos e investidores, capital financeiro) que fazem dinheiro com dinheiro sem produzir e isto desorganiza a economia. Além do mais, precisam explorar o trabalho cada vez mais e os trabalhadores resistem, lutam. Precisam explorar os países pobres e conseguir matéria prima barata, mas muitas matérias primas estão escassas e ficam caras. E esta crise atingiu um nível global, no mundo todo. É uma crise prolongada do modo de produção capitalista, da base material de produção, que as 5 crises visíveis tornam mais evidente a natureza desta crise estrutural.

Além disto, a civilização em que vivemos já não se entende, as pessoas já não acreditam nas instituições, há uma crise ética e uma crise política, mudança nos valores em que se acredita. Momento de transição que afeta a nós todos.

A fase atual do sistema capitalista é imperialista (controle em alguns países que mandam nos outros) e oligopolista (riqueza e comando empresarial superconcentrada em poucas pessoas e poucas empresas). Poucos mandam em tudo e controlam tudo. Mas isto gera cada vez mais contradições e estas geram crises constantes.

Os grandes capitalistas querem sair da crise ganhando ainda mais dinheiro e poder. Eles querem governos ditatoriais, fascistas, que neguem direitos do povo para garantir aos capitalistas superar sua crise mantendo seu poder econômico. Privatizar para aumentar seu capital ainda mais. Mas os povos lutam e resistem. O Brasil é um exemplo. 

Esta crise estrutural se manifesta em, pelo menos, cinco crises visíveis.

 

1 – Crise das fontes de energia

– O capitalismo depende de petróleo, é petrodependente. O petróleo está nos combustíveis, no gás de cozinha, nos plásticos, pneus, fertilizantes.

– O petróleo está cada vez mais concentrado em poucos países, cada vez mais escasso, mais difícil de extrair e mais exposto a especulações do mercado. O Brasil é hoje, com o pré-sal, um país com grandes reservas de petróleo. Por isto a cobiça sobre o Brasil aumentou e a lava-jato e a prisão do Lula foram para tomar o pré-sal e a Petrobras e não para combater a corrupção.

– O Petróleo está no seu pico de produção em nível mundial e vai acabar em algumas décadas. As maiores economias do mundo (Estados Unidos, Europa, Japão, China), já não tem reservas de Petróleo. Por isto aumentam as guerras pelas últimas reservas e a disputa para ver quem vai controlar as novas fontes: energia elétrica (o motor elétrico está chegando), o hidrogênio (será um dos combustíveis do futuro), o diesel verde, a energia solar, a energia dos ventos. Os magnatas do petróleo querem ser também os donos das novas energias. Por isto era importante privatizar a Eletrobrás e a Petrobras. A Eletrobrás foi privatizada e a Petrobrás, grande parte também foi. 

 

2 – Crise ambiental

– A crise ambiental é global, atinge o mundo inteiro e o efeito mais grave é a crise climática, que desregula a temperatura média da terra, desregulando as chuvas e as estiagens. Estamos sentindo na carne o impacto desta crise como as estiagens constantes e severas que atingem o Rio Grande do Sul nos últimos anos. 

– É a primeira grande crise climática que envolve todo o planeta e provocada por causas humanas, chamada antropoceno (teve outras em outra épocas, porém de impactos regionais), como é o caso do efeito estufa provocada por queima de energia de petróleo e carvão aquecendo a terra, destruição de florestas e outras paisagens naturais que equilibram o clima (como banhados e restingas). A queima de petróleo e carvão joga gás carbônico na atmosfera que faz os raios solares ficarem presos na cobertura da terra fazendo esquentar o planeta (como um carro quando fica no sol com os vidros fechados). As plantas (principalmente as árvores) retiram estes gases de efeito estufa da atmosfera. Mas as matas estão sendo destruídas, aumentando o problema. O Brasil, com a floresta Amazônica, é fundamental para conter os efeitos mais graves da crise climática.

– O tipo de agricultura que se faz também aumenta ou diminui a crise climática. O agronegócio piora, a agroecologia melhora o clima. 

 

3 – Crise alimentar

– A população do mundo aumenta e a produção de alimentos não aumenta na mesma proporção. Além do mais, os alimentos produzidos estão concentrados em poucas empresas, que dominam as cadeias agrícolas no mundo. A escassez de comida faz eles ganharem mais dinheiro.

– A produção física por hectare, em média, tem aumentado pouco nos últimos 20 anos. Falam de grandes aumentos de produtividade, mas isto é ilusório, pois o que vale é a média de 10 anos. Um ano colhe muito e outro, por causa de uma estiagem, colhe pouco. Para os estoques mundiais, o que conta, é a média.

– Com isto a fome se espalha no mundo e a crise alimentar em escala global já tem alertas emitidos por várias organizações internacionais. O modelo agrícola precisa mudar.

– O Brasil é um território chave para alimentar o mundo, não com monocultivo de soja, mas produção variada e diversificada. Esta pauta vai crescer nos próximos anos.

 

4 – Crise sanitária

– É a crise da saúde do povo, ou melhor, a crise das doenças. Aumentam mais e mais. O tipo de alimentação com poucas variedades, ultra processada na indústria, com aditivos químicos artificiais, piora a saúde das pessoas, aumenta e agrava as doenças. O uso de venenos agrícolas é outra causa de muitas e graves doenças.

– Poucos acreditam que a Covid19 tenha sido a última das pandemias. Um planeta doente espalha doenças.

– Uma nova medicina e uma nova farmacologia, baseada em produtos naturais, plantas com propriedades medicinais, homeopatia, terapias integrativas, medicina sem pressa (uma nova abordagem propagada pelo Dr Marco Bobbio), se fazem cada vez mais necessárias. O Brasil tem fantásticas possibilidades com sua enorme biodiversidade.

 

5 – Crise Geopolítica

– Há uma disputa entre os países sobre quem manda no mundo. Depois da Segunda Guerra mundial, haviam duas grandes potências mandando: Estados Unidos e União Soviética. Era um mundo Bipolar. Com a falência da União Soviética em 1989, os Estados Unidos passaram a ter hegemonia absoluta, mandar sozinhos. Mundo Unipolar.

– De lá para cá dois fenômenos aconteceram: a China cresceu ano a ano, investindo muito em educação, em ciência e tecnologia e na superação da pobreza. A economia chinesa cresceu e está perto de superar os Estados Unidos. Neste meio tempo, o outro fenômeno, foi a recuperação da Rússia, que comandava a União Soviética, principalmente na área científica e militar, mas também econômica. E a Rússia tem enormes reservas de Petróleo, de potássio e fósforo, necessários para a agricultura.

– A China e a Rússia hoje tem uma aliança estratégica, militar, política e econômica e conformam um outro bloco de poder mundial. Estamos entrando num mundo Bipolar. O Brasil e a América Latina estão disputados por estes dois grandes polos. Nossa proposta é que se constitua um mundo Multipolar, e América Latina e Europa também se constituam em polos de poder. Para isto o Brasil é essencial e a vitória do Lula abre esta possibilidade.

– A guerra na Ucrânia reflete esta disputa Geo política e é entre Estados Unidos e Rússia. Ucrânia é só o palco da Guerra. Podem estar testando força, tecnologia militar e demarcando espaços futuros de dominação territorial.  

 

III – O Brasil neste cenário de crises

A solução de todas as crises de fundo internacional e da economia e da sociedade globalizada, passam pelo Brasil. Neste contexto nosso país adquire um papel central, e por isto é tão disputado, no cenário internacional. Para as cinco crises visíveis, o território e o potencial do Brasil oferece caminhos de saída, seja para a retomada capitalista, seja nas disputas geopolíticas, seja na minimização dos impactos da mudança climática, seja na transição energética, seja na solução da crise alimentar, nada se fará a nível de mundo, sem o Brasil. O Brasil submisso é a entrega de nosso potencial, nosso território e nossa soberania para exploração de outros. O Brasil de pé é uma oportunidade histórica de construir um futuro decente para nosso povo.

IV – O Significado da Vitória de Lula

– A vitória do Presidente Lula é a vitória das forças populares e democráticas do país. Interrompe um processo de concentração de renda, fome, empobrecimento do povo, destruição da saúde pública e da educação, aumento de desemprego.

– Mas interrompeu também um processo político de negação de direitos, de fanatismo, de autoritarismo e práticas fascistas e golpistas, com ódio e perseguição. Queriam a volta da ditadura militar, alcançada, desta vez, através do voto.

– Esta vitória é como se os partidos democráticos tivessem derrotado Hitler em 1933, quando foi reeleito na Alemanha. Lá, na época, as forças populares, democráticas e liberais, se dividiram e facilitou a vitória de Hitler. Após a vitória, Hitler perseguiu e matou adversários, fanatizou as massas, colocou as forças armadas a seu serviço, fez a pior guerra da história da humanidade matando milhões de pessoas. O lema de Hitler era: Alemanha acima de tudo. O lema de Bolsonaro: Brasil acima de tudo. Igual. A vitória do Lula tem um alcance internacional, pois a extrema direita internacional precisava da vitória no Brasil para crescer, e não é exagero dizer que pode ser importante para evitar uma terceira guerra mundial.

– A perseguição à esquerda e aos Movimentos Sociais seria terrível se Bolsonaro tivesse ganho a eleição. Aos povos indígenas, nem se fala. Basta ver o que estavam fazendo com os Yanomamis. 

– Aqui Lula conseguiu formar uma grande aliança em defesa dos direitos e do Estado de Direito, que o outro queria destruir. Junto com a militância de base, a militância do PT, as alianças foram muito importantes para a vitória.   

 

V – Os desafios do Governo Lula

– Enfrentar a fome, com apoio à produção de alimentos pelas famílias camponesas, garantindo alimentação saudável e variada para toda a população.

– Cuidar do meio ambiente e promover a transição ecológica e energética.

– Políticas públicas para atender as grandes necessidades da população: saúde, educação, moradia, proteção da infância e da velhice, previdência social, saneamento básico, segurança pública, abastecimento de água, estradas, comunicações, lazer, esporte, cultura, etc.

– Política econômica para distribuir renda, gerar emprego, produção industrial, controle da inflação, sistema tributário justo, crédito barato e acessível.

– Apoiar e fortalecer as organizações populares e sindicais de base, contribuindo com a organização e a politização do povo, não confiando que a governabilidade virá só do Congresso Nacional, do Judiciário, das normas da Constituição, dos Conselhos de Participação Social no Governo, embora necessários e importantes. Nos governos anteriores, este foi o calcanhar de Aquiles dos nossos governos. Quando precisou, não teve o povão para defender o governo e o nosso projeto. E a governabilidade de cima, traiu sem piedade, quando assim quis. Isto implica que as políticas públicas devem ser executadas de forma a fortalecer a organização popular e não fortalecer o individualismo e os prefeitos de direita. 

 

VI – Os Desafios do MPA e das forças políticas populares e de esquerda

          Derrotar o Bolsonaro foi uma grande vitória do povo. Lula assume com compromissos importantes com os Pequenos Agricultores, que precisamos debater e nos organizar para conquistar e melhorar nossa vida.

O MPA fez parte desta vitória e agora precisamos fazer estas conquistas chegar até nosso povo e nossas famílias.

Estes são também alguns pontos de pauta que o MPA – BRASIL expôs ao novo governo e precisamos conquistar e colocar em prática. A principal lição da história é que a luta e a organização precisam continuar, mesmo com um governo mais próximo das necessidades do povo.

– Programa de Produção de alimentos e abastecimento popular, através de financiamento subsidiado e desburocratizado, fomento, capacitação, Ater, sementes, investimentos, insumos, organização da produção e do acesso ao mercado.  fomento ao associativismo e cooperativismo popular.

– Participar do Plano de Combate a fome levando comida do campo para a cidade, comprado das famílias agricultoras, para entidades, comunidades, cozinhas comunitárias, sindicatos, associações do povo pobre da cidade.

– Implantação do Programa “Sol para Todos” para baixar o preço da luz e da energia, com usinas solares comunitárias nas comunidades camponesas, através de associações e cooperativas, com financiamento de longo prazo e subsídios para a produção de alimentos saudáveis.

– Programa de moradia rural, subsidiado, ágil, desburocratizado para quem precisa de moradia.

– Criar meios de manter a juventude no campo e até meios para a volta de jovens ao campo. Projetos especiais, apoio financeiro (bolsa permanência), internet, lazer, esperte, valorização. Educação, escolas técnicas, escolas de alternância. Promover uma Nova Geração Camponesa.

– Acesso à terra, retomada da Reforma Agrária e crédito fundiário, principalmente para jovens. regularização fundiária, de modo especial, reduzir custos de solução das heranças.

– Programa vigoroso de infraestrutura rural de estradas, abastecimento de água, disponibilidade de água para irrigação, internet de qualidade, esporte, lazer e vida comunitária.

– Direito de vender o alimento natural, caseiro, colonial, artesanal ou de pequenas agroindústrias, mudando a vigilância sanitária, reconhecendo o “baixo risco sanitário”, com manual de boas práticas simplificado e auto-declaração.

– Promoção da saúde através das plantas medicinais, homeopatia, agentes de saúde qualificados e Mais Médicos.

– Assistência Técnica próxima das famílias, estimulando a produção de comida saudável e a renda.

– Consequência de muitas crises na agricultura ao longo dos últimos anos ainda existem dívidas que precisam ser resolvidas com medidas do Governo Federal.

– Nenhuma família sem água no Campo. Um programa estruturante que ajude a resolver o problema do abastecimento de água, para consumo das famílias, para os animais, para irrigação da produção de alimentos.

– Pagamento por serviços sócio ambientais. Pagar para quem protege e melhora o meio ambiente, nascentes, beiras de rios e riachos, matas nativas, banhados, plantas medicinais, solo. E punição para quem destrói. Já tem lei para isto, precisa ser aperfeiçoada e começar a aplicar.

– Medidas para atender aos atingidos pela seca no RS.

 

VII – Derrotar a direita em todos os cantões do Brasil

Dia 08 de janeiro, com a destruição dos Três Poderes, em Brasília, ficou claro que a sanha golpista da estrema direita está longe de acabar. Há no Brasil, uma direita ousada, com base popular e capacidade de mobilização, autoritária e golpista, usando mentiras (fake News) alimentando ódio contra tudo que pareça comunista, contra direitos das pessoas, contra negros, indígenas, LGBTQIA+, pobres, quem pensa diferente deles. Precisa ser enfrentada e combatida, com esclarecimento, debate, políticas públicas que mudem a realidade do povo, aplicação da lei contra crimes cometidos por eles.

Só com organizações populares fortes é possível enfrentar uma direita com estas características. Esta é uma tarefa política do MPA e de todas as organizações populares. Necessária também a unidade dos Movimentos Populares e Sindicais e dos Partidos de Esquerda. 

Será fundamental nesta luta o engajamento da juventude e um dos nossos principais desafios é realizar a transição de geração nos movimentos sociais e na esquerda, com os jovens tomando a frente e cumprindo seu papel.

Continuar em luta é nosso desafio permanente. Formação e trabalho de base, nossas tarefas diárias.

Construir Poder Popular nos territórios, nossa tarefa estratégica.