MST celebra 36 anos da ocupação da Fazenda Annoni e inaugura horto em Pontão (RS)

1 de novembro de 2021
Por: Marcos Corbari

Celebração contou com instalação de busto de Paulo Freire e homenagens a José Alberto Siqueira, o Zecão

Marcos Antonio Corbari
Brasil de Fato | Pontão (RS)
 

Para celebrar os 36 anos da ocupação da Fazenda Annoni, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) realizou uma tarde de atividades no Instituto Educar, no Assentamento Nossa Senhora Aparecida, em Pontão no RS.

No território considerado o “berço” do MST e cuja consolidação se tornou um marco para o movimento e inspirou a luta pró Reforma Agrária pelo país afora, o ato da última sexta-feira (30) promete deixar raízes simbólicas e concretas: na entrada da escola foi instalado um busto do educador Paulo Freire, integrando as celebrações do centenário do educador do povo; e, logo adiante, foi inaugurado um viveiro que leva o nome do bancário José Alberto Siqueira, o Zecão, que já está produzindo mudas de árvores para a ação nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”.

Além de professores e alunos do Instituto Educar, bem como das famílias assentadas locais, participaram dirigentes de outros movimentos sociais como Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento Trabalhadores por Direitos (MTD) e Levante Popular da Juventude, deputados federais Paulo Pimenta, Elvino Bohn Gass, Maria do Rosário e Dionilso Marcon, deputado estadual e pré-candidato a governador Edegar Pretto, prefeitos de Pontão, Velton Vicente Hahn, e de Palmeira das Missões, Evandro Massing, além de vereadores e lideranças de nível local, regional e estadual.

Entre os convidados especiais que marcaram presença estavam ainda o padre Arnildo Fritzen e o ex-prefeito e deputado Antonio Marangon, lideranças com forte atuação e que exerceram papel decisivo à época da ocupação. Os presentes levaram consigo mudas de árvores nativas e receberam alimentos produzidos pela Reforma Agrária.

Paulo Freire, presente no Instituto Educar

A tarde iniciou com ato repleto de simbolismo, com o descerramento do busto de Paulo Freire, instalado junto a entrada da escola. A pesquisadora Isabela Camini afirmou a importância de Paulo Freire para a Educação no Brasil e, de modo especial, ao povo mais humilde e aos movimentos sociais. Passagens históricas – como a visita de Freire aos assentamentos na região da Campanha em 1991 – foram relembradas com carinho e saudade. “Nós temos muitas razões para celebrar o centenário de Paulo Freire, ele que nos ajudou a pensar a pedagogia de uma escola embaixo de uma lona preta, uma escola próxima do povo, que respeita a realidade, que trabalha as palavras geradoras – terra, luta, medo, morte e resistência”, afirmou Camini.

A deputada federal Maria do Rosário também falou sobre a necessidade de que o legado de Freire seja presença concreta nas pautas do povo pela reconstrução do Brasil e que o primeiro passo é “freirear” a luta: “O povo precisa levantar-se, erguer-se, a nossa gente precisa ver esperança, precisa ver um modelo de agricultura que fale da saúde, de uma proposta agroecológica de grande extensão, de um modelo de educação popular e transformadora”.

A professora Salete Campigotto, ao destacar os 16 anos de caminhada do Instituto Educar, evocou Freire como uma bandeira de luta permanente, mais que um símbolo, um desafio que se renova a quem se propõe a caminhar ao lado do povo e a lutar pelas causas do povo: “Precisamos da educação como uma ferramenta que ajude os territórios do MST a ser cada vez mais produtivos, firmando o compromisso de seguir formando a juventude, construindo um ideário e uma esperança na luta por educação, por saúde, por Reforma Agrária e por um mundo melhor”.

Viveiro da Reforma Agrária Popular

O coordenador do viveiro, Marlon Rodrigues Fragas, apresentou o viveiro, destacando a estrutura em seus diversos ângulos de interpretação, desde os aspectos técnicos até os pedagógicos, desde os objetivos concretos até a dimensão política. “Das 100 milhões de árvores que o MST se propõe a plantar e cuidar no Brasil, 7 milhões devem ser aqui no RS e esse viveiro faz parte desse contexto, é uma meta ousada, assim como são ousadas as nossas lutas e as nossas conquistas”, declarou.

O Viveiro da Reforma Agrária Popular Zecão inicia com uma área produtiva de 25 x 10 metros e capacidade de produzir 25 mil mudas por ano. Quando toda a estrutura prevista estiver montada e a área destinada totalmente utilizada, a expectativa do coordenador é que se alcance o número de 100 mil mudas/ano, priorizando espécies nativas da mata atlântica.

“Queremos que este viveiro não produza apenas mudas, mas que seja ‘popular’ no sentido mais prático, que sejam desenvolvidas aqui experiências técnicas e científicas, que consiga envolver a comunidade, os assentados e acampados, principalmente a juventude”, acrescentou Fragas. Ele explicou que ali serão desenvolvidos todos os elementos da cadeia produtiva – iniciando pelo substrato, passando pela coleta e beneficiamento das sementes, até a consolidação das mudas ao ponto de serem introduzidas na natureza.

“Esse viveiro representa a história do MST e a história da luta pela terra neste território, mas também representa o futuro, traz essa esperança de conseguir nos territórios de Reforma Agrária e nos espaços das novas lutas estabelecer modelos de produção sustentáveis, que criem resiliência e prezem principalmente pela agroecologia”, concluiu.

Novo contexto da Reforma Agrária

Cedenir de Oliveira, da direção nacional do MST, destacou a importância do dia – pela comemoração dos 36 anos da ocupação da Fazenda Annoni, pela inauguração do viveiro, pelas homenagens rendidas ao companheiro Zecão, mas também pelo momento de retomada das ações coletivas depois de mais de um ano de recolhimento por causa da pandemia do coronavírus. “Esse projeto vai além da produção de mudas, não está estimulando apenas uma perspectiva de produção técnica, mas sim expressando uma elaboração política e filosófica do que deve ser o novo contexto da luta pela Reforma Agrária neste país”, explicou. Para Oliveira, é necessário alterar as estruturas fundiárias do país, porém só isso não será suficiente, apontando o modelo de produção agrícola atual que não produz comida, ao contrário, produz concentração, miséria e devastação ambiental. “Fazer Reforma Agrária é cuidar do meio ambiente e produzir alimento saudável.”

O deputado estadual Edegar Pretto deu destaque as ações do MST e demais movimentos populares no estado e afirmou de modo particular ao território da Reforma Agrária: “Essas atividades que acontecem aqui em Pontão têm um símbolo muito especial, são ações que recuperam o meio ambiente e preservam as espécies nativas, reforçando a educação ambiental, o auxílio à regeneração da natureza e o incentivo à produção de alimentos saudáveis”. Pretto ressaltou o compromisso dos movimentos em “trabalhar por um país diferente, sem destruição do meio ambiente, sem pessoas passando fome” e arrematou afirmando que cada muda de árvore plantada significa a esperança de um país melhor.

Zecão, um militante completo

José Alberto Siqueira, o Zecão, personagem cujo nome foi designado ao viveiro recém inaugurado, foi enaltecido pelos presentes e muitas memórias relembradas. Sua militância comprometida com a classe trabalhadora, junto aos partidos PCdoB e PT, bem como o protagonismo na construção de movimentos como o MST e o MPA, como na organização do movimento sindical e da Comissão Pastoral da Terra na região, foram fatos citados nos pronunciamentos. “O companheiro Zecão foi um exemplo de militante e dirigente político, mas, acima de tudo, um ser humano extraordinário”, citou Frei Sérgio Görgen.

Os deputados federais Marcon e Bohn Gass seguiram no mesmo sentido, enaltecendo a memória e o legado do companheiro homenageado. “Aqui hoje, se o Zecão pudesse falar, ele nos mandaria levar algumas mudas para casa e plantar, nos desafiaria a fazer a nossa parte para contrapor o projeto de morte de Bolsonaro com o projeto de preservação da vida que vem sendo desenvolvido pelo MST e pelos demais trabalhadores e trabalhadoras do Brasil”, citou Marcon. “Zecão é uma referência para todos nós na luta pela Reforma Agrária, é uma memória viva, é um companheiro cuja memória segue presente na nossa luta todos os dias”.

Visivelmente emocionado, falando em nome dos familiares do homenageado, Antonio Marangon definiu Zecão como um militante completo: “Ele não cobrava ao outro que fizesse uma tarefa que ele mesmo não pudesse ou não estivesse disposto a fazer, ele ensinava pelo exemplo, fazia o trabalho miúdo com disciplina, ajudava as pessoas a se organizar, estava lá, sempre junto, na hora da organização, da formação e da ação”. Maragon relembrou ainda que Zecão não aceitava que ninguém tirasse o protagonismo do povo, sabia que se o povo não for o protagonista daquilo que faz ele não vai se libertar nunca.

A luta continua!

Além das mudas compartilhadas com os participantes, um lote de 600 unidades foram separados para dar início a um novo viveiro, que será implantado junto à Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). A semente plantada já começou a dar frutos. Ao final do ato, com força na voz, os presentes enunciaram: “Paulo Freire, Presente! Presente! Presente!” e “Zecão, Presente! Presente! Presente!” E sim, de fato se podia sentir que ambos, de alguma forma, estavam ali presentes em meio àquelas pessoas, nos símbolos de luta, nos livros, nas sementes, nas mudas, nas esperanças.

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko