Novembro Negro
Por: Michele Corrêa
O mês de Novembro se inicia e junto a ele tem início as programações referentes ao Dia da Consciência Negra, programações estas que não se restringem ao dia 20 de Novembro, mês estende-se por todo o mês. Com frequência, há alguns anos, venho escutando de pessoas próximas, e de pessoas não tão próximas assim, de que não deveríamos falar em Dia da Consciência Negra e sim Dia da Consciência Humana, cito para ilustrar tal fato a circulação de uma imagem nas redes sociais do ator americano Morgan Freeman, onde a afirmação: “O dia em que pararmos de nos preocupar com Consciência Negra, Amarela ou Branca e nos preocuparmos com Consciência Humana, o racismo desaparece”, é atribuída a ele.
Tal afirmação foi supostamente extraída de uma entrevista concedida em 14 de junho de 2006 ao jornalista Mike Wallace, no programa 60 Minutes, o qual foi ao ar pela rede americana de TV CBS, porém cabe esclarecer que o ator na entrevista explicou que o objetivo era acabar com a consciência da raça e parar de colocar rótulos de cores às pessoas. Para Freeman, devemos parar de discriminar racialmente as pessoas e parar de criar raças.
Portanto, para evitar falácias, más interpretações e distorções sobre o Dia da Consciência Negra, considero importante esclarecer as origens de tal data, seus objetivos e justificativa. Para isso, busco recorrer a História para refletir os assuntos pertinentes a temática, para tornar possível a construção de um futuro melhor é preciso viver o presente sem negar ou ignorar o passado.
Quando fala-se em população negra, faz-se necessário recordar que estima-se que, ao longo de 350 anos, tenham sido retirados da África 12,5 milhões de pessoas, em uma das maiores migrações forçadas da história, onde 11 milhões foram desembarcadas na América. São homens e mulheres que foram arrancados do continente africano para serem trabalhadores escravizados, chegando ao Brasil aproximadamente a metade destes 12,5 milhões. Aqui lhes foram negadas memórias e identidade, a única identidade permitida foi a construída com suor, lágrimas e sangue, entre chibatadas e toda sorte de violências.
É preciso desconstruir a ideia de que a Escravidão no Brasil foi mais branda. A escravidão em solo brasileiro foi tão cruel e violenta quanto em outros locais, como nos Estados Unidos. O que inviabiliza o quão brutal foi, é um processo de apagamento iniciado logo após a Abolição da Escravatura, podendo ser ilustrado pela ordem dada por Rui Barbosa, então Ministro das Finanças, em 13 de maio de 1891, ordem dada para a queima de todos os arquivos ligados ao comércio de escravizados e à escravidão no Brasil. Tal ordem deu-se a partir de um discurso modernizante de fim das diferenças raciais.
Assim o mês da Consciência Negra tem por objetivo promover reflexões envolvendo a Historiografia e a Sociologia da população negra, buscando na memória dos Afrodescendentes no Brasil aspectos que apontam esta população como sujeito modificador do seu contexto social dando visibilidade a História e a Ancestralidade desta população, a qual representa 50,8% da população brasileira, segundo investigação étnica racial no Censo de 2010.
A escolha do dia 20 de Novembro como dia Nacional da Consciência Negra, origina-se no contexto de disputa ideológica da história dos afrodescendentes entre os movimentos negros e o poder dominante, onde em 1971, fruto de longa trajetória de participação política alguns movimentos negros foram as ruas para denunciar o racismo e lutar pela melhoria das condições da população negra, escolhendo para representar este momento histórico de luta, o dia em que Zumbi dos Palmares, em decorrência de sua luta por direitos em 1695, foi assassinado pelo poder Imperial escravocrata.
Zumbi tornou-se um símbolo vivo de luta e resistência, evidenciar o aspecto histórico da importância de sua luta é uma maneira de mostrar que a população negra não se deixa dominar passivamente, e foi a partir dessa luta que em 09 de janeiro de 2003, o Presidente Lula sanciona a Lei 10.639 que torna obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira nos currículos escolares e acrescenta a data de 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, deverá ser incluído no calendário escolar.
Recuperar o ideário da luta de Zumbi é também rememorar o Quilombo de Palmares, resgatando assim um exemplo importante de luta e organização histórica da população negra, especialmente neste momento, quando passados 130 anos da abolição, somos as cores da desigualdade. As estatísticas de cor ou raça produzidas pelo IBGE mostram que o Brasil ainda está muito longe de se tornar uma democracia racial. Sendo ainda muito difícil para a população negra ascender economicamente no Brasil. A questão da escravidão é uma marca histórica, durante esse período, os negros não tinham nem a condição de humanidade. E, pós-abolição, não houve nenhum projeto de inserção do negro na sociedade brasileira, permanecendo ainda hoje as populações negras entregues à própria sorte.
Por Michele Corrêa
Graduanda em Filosofia na UFPel,
Assessora da Pastoral da Juventude (PJ) e
Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Referências:
http://www.e-farsas.com/morgan-freeman-disse-uma-frase-contra-o-dia-da-consciencia-negra.html
http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v63n1/a21v63n1.pdf
http://www.drearaguaina.com.br/docs/dia_consciencia_negra.pdf