O Nazareno e o Camponês (crônica de Frei Sergio Görgen)
Jesus passara a noite toda sem dormir.
Na entrada da noite, jantou com os discípulos. Depois foram dormir no Horto das Oliveiras, que era seu esconderijo em Jerusalém. Dizem os Evangelhos que Jesus não dormia na cidade. Lá não se sentia seguro, ainda mais no clima de perseguição que a cada dia se tornava mais evidente contra Ele.
No horto ficou rezando angustiado. Pediu que os discípulos vigiassem, mas eles caíram no sono. A oração de Jesus torna-se dramática. O cerco da perseguição estava se fechando. Dizem os Evangelhos que Jesus chegou a “suar sangue”, situação só percebida em pessoas jovens condenadas à morte, que sabem que vão morrer, nas horas que antecedem o momento fatal.
Assim Jesus se sentia.
Aí veio a traição de Judas, mostrando aos algozes as trilhas do esconderijo. E veio da pior maneira que se poderia esperar: com um beijo.
Após pequena arruaça com os soldados do templo, a prisão. Em seguida, os dois julgamentos. Um no Sinédrio Judaico e outro na Pretoria Romana. Duas condenações à morte. Morte na cruz. O destino comum dos que ameaçavam o poder sacerdotal do Templo e o poder político do Império Romano.
Depois, as seções de tortura, o desprezo, o escárnio, o deboche, a debandada dos discípulos, as chicotadas, o coroamento com espinhos cravados na cabeça.
Então, carrega a própria cruz morro acima. Carrega os pedaços de madeira sobre os quais suas mãos e seus pés serão pregados.
Sonolento, esvaído, cansado, desesperado, agoniado, as forças lhe faltam, a fraqueza do corpo chega ao limite e desaba por terra. Já não consegue mais carregar o peso daquela carga fatídica.
Era por volta do meio dia. Os soldados viram então um camponês que voltava da roça, de sua labuta diária para produzir seu alimento. Curioso, parou para olhar a macabra procissão.
Então: “Requisitaram um certo Simão de Cirene, que passava por ali vindo do campo, para que carregasse a cruz, Era o pai de Alexandre e de Rufo. ” Assim conta o Evangelho de Marcos 15,21.
O homem tinha biografia e era conhecido na região, tanto que o evangelista cita o nome de seus filhos.
O camponês Cireneu ouvira falar de Jesus e sabia o quanto era solidário com os camponeses pobres e explorados e o quanto os defendia.
Rezou em silêncio: “ Senhor, quanta injustiça com este homem bom”.
Pegou a cruz com seus braços fortes sem contragosto e carregou-a no lugar do condenado, que se levantou, olhou para ele agradecido. Compartilhando a angústia e a dor subiram juntos até o Gólgota.
Quando aqueles olhares do Nazareno e do Cireneu se encontraram, destinos se uniram para sempre.
E o silêncio daquele ombro forte do Camponês Simão Cireneu carregando a Cruz do Nazareno tornou-se prece solidária de todos os camponeses do mundo com a dor do Crucificado e o amor do Filho de Deus abençoou para sempre os que cuidam e vivem da terra para sustentar a humanidade.
Fonte e Inspiração – Evangelho de Marcos 15,21
*Frei da Ordem Franciscana, militante do MPA e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”
Tira: Armandinho, de Alexandre Beck.