Sepé, 263 anos depois, segue presente e necessário na luta dos povos


Sepé, no traço de Sandro Andrade

“Sepé não sabe o que aconteceu. Vê seu cavalo no solo, ouve uma gritaria, levanta-se como que por impulso, mas não tem tempo para defender-se. Um português lhe enfia uma lança pelas costas. O golpe é tão violento que a lança se parte. O pensamento se esvai. Longe vão ficando os campos infinitos, os caminhos indígenas, o vento frio das manhãs de inverno. Longe os ervais, as missas em latim, os Sete Povos missioneiros. Não escutam ais a voz dos padres. Não tem mais tempo para invocar São Miguel Arcanjo. De Portugal, partiu o primeiro golpe e o segundo vem da Espanha. O coronel Viana chega em seu cavalo e, com sua arma, desfere o tiro de misericórdia”. (Luís Rubira, Sepé Tiaraju e a Guerra Guaranítica)

Chegamos a mais um 7 de fevereiro. Alguns atônitos seguem surpresos com os descaminhos traçados pela anti-política executada pelo novo governo de velhas ideias que se instalou desde Brasília; outros, inertes à história e ao que se desenvolve em seu entorno, como gado caminham passivos ao matadouro, apenas esperando o Carnaval chegar. Mas há quem insista, quem resista, quem contrarie a lógica permissiva de tempos avessos à utopias.

7 de fevereiro é a data que demarca o martírio de Sepé Tiaraju em 1756. Antevéspera do massacre de Caiboaté, que selaria com sangue o fim dos Sete Povos das missões Orientais. O contraste entre dois modos diferentes de ver o mundo foi posto em luta: de um lado os guaranis catequisados pelos padres Jesuítas, que apesar de ter consigo os preceitos do Deus Cristão seguiam convictos de que a terra onde pisavam não lhes pertencia e, sim, eles é que pertenciam a ela; no outro extremo da disputa, um exército vil, luso-espanhol, unindo velhos inimigos em torno da ideia de que a terra é pertença do maior, é posse da mão mais forte, é propriedade de um rei e seus vassalos.

Há 263 anos Sepé tombava, transpassado pela lança portuguesa, rompido pela bala espanhola. Caído o homem, a lembrança de seus feitos e – principalmente – de seu ideal, garantiria o papel de protagonista da história e, no imaginário popular, a mítica figura de um herói em quem se inspirar. O índio guarani que destacou-se como gestor em tempos de paz e como estrategista em tempos de luta no período final das Missões Jesuíticas merece o justo reconhecimento como um dos grandes nomes da humanidade quando refletimos a respeito da resistência permanente dos povos contra o imperialismo.

Iniciamos hoje, um esforço coletivo através da Rede Soberania e Instituto Cultural Padre Josimo, bem como pelas mídias progressistas que costumeiramente emparceiram-se conosco nas trincheiras da luta popular, uma ação continuada de reflexão a respeito do personagem histórico, do guerreiro mítico e do santo popular. Buscamos nas referências dos livros que já documentaram essa história, no testemunho vivo dos pesquisadores que se dedicam ao legado de seu nome, no depoimento dos lutadores sociais que seguem empreendendo a mesma peleia dois séculos e meio atrás, bem como nos artistas que pela sua obra dia a dia revivem Sepé pala mística do representar, do cantar e do contar a história do comandante da Guerra Guaranítica, declarado “Herói Guarani Missioneiro Rio-Grandense” pela Lei estadual número 12.366 (D.O.E. de 04/11/2005) e inscrito no “Livro dos Heróis da Pátria” pela Lei federal 12.032 (D.O.U. de 21/09/2009), Santo Popular reconhecido pelo povo e em trâmite de ter tal condição reconhecida também pela Igreja Católica,

Temos muitos motivos para relembrar Sepé. Mas nesse tempo em particular, onde os direitos de trabalhadores são desconstituídos, onde o interesse financeiro sobrepõem-se à vida dos povos, onde a lei mostra-se servil aos interesses das classes abastadas e omissa frente as necessidades dos menos favorecidos, onde se proclama em voz aberta e se estabelece como fala institucional a negação das individualidades e o extermínio das minorias, onde novos impérios se levantam com mão forte para derrubar a soberania dos povos, mais do que nunca é preciso ter conosco o mito, o santo, e – principalmente – o guerreiro Sepé Tiaraju.

Marcos Corbari – Jornalista

Instituto Cultural Padre Josimo

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