ARTIGO | Água na Campanha Gaúcha, um horizonte seco e vazio.

25 de março de 2023

Fernando Campani*

O abastecimento de água para a zona rural da Campanha Gaúcha não é uma tarefa simples. Há diversos fatores que dificultam a prestação desse serviço público para a população que reside no campo, mas existem soluções que resolvem ou amenizam a situação. Requer, cima de tudo, vontade política dos gestores públicos, investimentos básicos, adoção de um real plano de gestão com a participação dos usuários e criar estratégias de sustentação financeira e técnica operacional dos sistemas. É uma equação que não dispensa um processo permanente de educação sanitária e fiscalização de uso e manutenção.

Por meio de algumas ações, é possível levar mais saneamento para o meio rural da Campanha gaúcha contribuindo para que a população tenha acesso à água de boa qualidade, bem como alternativas para a coleta e o tratamento de esgoto. Com isso, é possível diminuir a incidência de doenças causadas pela falta de água em quantidade e qualidade.

Em relação ao sistema mais adequado à realidade da Região da Campanha Gaúcha, as ações devem ser híbridas. Ou seja, contar com o sistema tradicional de captação de águas superficiais com adução, tratamento em pequenas ETAs e distribuição com redes eficazes, sem dispensar os mecanismos de reservação na ponta de consumo, composto por cisterna e filtros eficientes. A doentia prática de perfurações de poços sem estudo prévio e operações caríssimas devem ser levadas mais à sério e redimensionadas como planos complementares. A constituição de associações ou condomínios de usuários da água é uma estratégia interessante para promover a estabilidade da qualidade através da corresponsabilizacão e controle social da qualidade das operações do sistema. A constituição dos condomínios projeta uma verdadeira cooperação entre o poder público e a sociedade organizada.

Para tudo isso o elemento tecnológico é fundamental, tanto para pensar nas fontes de energias alternativas quanto em sistemas de monitoramento automatizados, entre outras ações. É chegado a hora de darmos um basta aos improvisos e investimentos pífios no setor de saneamento rural. O setor rural precisa ser levado à sério.

Um outro tema indissociável é a tecnologia de irrigação para as culturas de caráter comercial e de sustentação econômica das famílias. Não se sustenta mais as velhas “orações para São Pedro, pois o santo não tem mais fôlego” para atender as demandas e a própria mudança climática que o mundo vem passando. O basta também passa pelo fim das crenças distantes da ciência e o fim da promoção do negacionismo da realidade. Já há suficientemente o conhecimento científico básico. O clima do mundo está mudando e a sociedade e os governos precisam se envolver na prática.

O país possui um Plano de Segurança Hídrica que contém as poligonais de insegurança onde devem receber investimentos estratégicos e permanentes para corrigir a instabilidade de oferta hídrica nestas áreas críticas. A região da Campanha gaúcha é uma área contida numa das poligonais de insegurança hídrica descrita no diagnóstico feito pelo governo federal. Portanto, é evidente que a União deve investir imediatamente nessas áreas que ela própria descreveu, no Plano Nacional de Segurança Hídrica, como áreas inseguras para a vida humana. Caso contrário, as comunidades rurais da velha região da Campanha, irão continuar assistindo a migração anual de lideranças políticas das comunidades atingidas aos ministérios do governo federal para buscar os parcos subsídios sem efeito permanente.

E assim a história continua, sem seriedade, sem eficácia, sem planejamento, sem água.

 


* Consultor em Desenvolvimento de Territórios

SOMNIA ASSESSORIA – Brasil/Portugal