Desabrochar de cem flores


Todos assistimos, entre atônitos e surpresos, à renhida luta intestina no governo Bolso. Os primeiros sinais apontam para uma estratégia política proposital e previamente preparada. Há um pensamento por trás disto. Mas também sabemos que a racionalidade não é exatamente o forte dos apedeutas no poder. Portanto, nada mais natural que identificar a usina desta linha política no bruxo Steve Bannon, que hoje viaja pelo mundo tentando formular e propor uma espécie de internacional daquilo que denomina de “populismo de extrema direita” (palavras dele, Bannon). 

 

Corte rápido.

 

Na China, década de 1950, Mao fomentou um grande debate nacional em torno da liberdade de pensamento e de propostas/linhas para construir o socialismo no País, inclusive estímulo aos social-democratas e todo o leque liberal e direita convicta. O processo se chamou poeticamente Desabrochar de Cem Flores. Mas foi um fracasso. Recolheu apenas algumas sugestões de burocratas do Estado e alguns intelectuais que apontavam desvios de pequena monta no seio do partido e no aparelho estatal.

 

Na década seguinte, Mao voltou com nova proposta, agora ampliada e aprofundada, sobretudo depois do também fracassado programa econômico voltado à produção agrícola chamado Grande Salto Adiante, de 1958. Então o dirigente propõe a grande Revolução Cultural. A rigor, Mao queria combater os revisionistas dentro do PCC e consolidar o seu poder no imenso País com quase um bilhão de habitantes à época. A luta interna, como se sabe, foi prolongada e selvagem. A ponta de lança da violência generalizada foi o movimento não-militar chamado Guarda Vermelha, que interditava prédios públicos, prefeituras, escolas, fábricas, Universidades (o setor universitário na China ficou praticamente fechado durante vários anos), cooperativas rurais, sessões municipais e regionais do Partido, etc. E promovia enormes mobilizações de massa, sobretudo de jovens, no país inteiro, com espancamentos de suspeitos de anti-maoísmo, pró-sovietismo, e pró-ocidentalismo burguês. O culto à personalidade de Mao chegava ao auge, assim como ao Livro Vermelho, coletânea de pequenos textos do velho dirigente (que teria sido organizado pelo general Lin Piao, componente da chamada Gangue dos Quatro).

 

Mao encerra oficialmente a Revolução Cultural no 9o Congresso do PCC em 1969. Oficialmente a Revolução Cultural e a luta interna pesada e intensa durou de 1966 até 1969, mas a rigor se estendeu até a morte de Mao (em 1976) e o consequente ascenso do modernizador Deng Xiaoping ao poder. Interessante notar que Deng caiu em desgraça durante a Revolução Cultural, acusado de revisionismo, estava preso quando da morte de Mao, e praticamente sai da prisão domiciliar direto para a condição de líder supremo da República Popular da China. A China atual é um projeto original de Deng.

 

Observem a grande turbulência interna no PCC resultante da Revolução Cultural, uma expressão viva da luta de classes que ainda persistia no organismo do partido e sobretudo no interior do aparelho de Estado (aliás, o aparelho de Estado mais antigo do mundo, com quase cinco mil anos de história e operatividades burocrático-institucionais, nos termos de Max Weber).

 

Corte rápido e retorno ao cretinismo no poder.

 

Steve Bannon e sua equipe sabem o que querem do Brasil, apesar do grau de dificuldades que enfrentam ao lidar com um grupo tão insano quanto pobre intelectualmente. Os ataques aos militares de alta patente, todos apoiadores de primeira hora da chamada “aventura Bolsonaro” se devem ao reconhecimento que eles não são confiáveis ao projeto de alienação do Brasil ao domínio absoluto dos Estados Unidos. O direitismo de nossos militares, não pode ser confundido com entreguismo resignado e submisso. [A ditadura 1964-85 endossa o que estou afirmando.] Por esse motivo, o atrevido Olavo ataca-os com ânimo e brutalidade verbal (sempre escatológica). A ideia é precisamente instaurar uma caricatura, ainda que grotesca e jocosa, dos processos do Desabrochar de Mil Flores seguido de uma (risível) Revolução Cultural. Para tanto, necessita de força político-social para criar um simulacro de bonapartismo crioulo, que tentam buscar junto à tigrada de baixa patente, milícias urbanas, Freikorps de lúmpens, evangélicos alucinados e loucos de todo o gênero.  

 

De outro lado, no âmbito dos verdadeiros democratas e da esquerda como um todo, para completar o chamado “cenário Bannon” que tenta imitar (falsificar) a China maoísta, nós temos o nosso Deng Xiaoping que é Lula, igualmente presidiário, revisionista, desenvolvimentista e adepto de um socialismo cor-salmão, construtor de um socialismo de mercado ou um capitalismo de Estado (seja lá o que isso signifique).

 

 

  Cristóvão Feil, sociólogo

Em 8 de maio, 2019.