Eleições na Argentina: No me interesa eso. (Artigo de Alceu Van Der Sand)
Autor: Alceu Van Der Sand
Considerando minha condição de interiorano, quase fronteiriço, me atrevo a analisar o resultado das eleições argentinas. O faço a partir da minha visão de mundo.
A Argentina, histórico parceiro comercial do Brasil, país com o qual mantemos um dos maiores intercâmbios turísticos e culturais, principalmente nós os habitantes do Sul e fronteiriços.
Nossos olhares são no sentido de tentar entender esta verdadeira Fênix, que renasce das cinzas, quando parece que tudo está perdido. Mais uma vez, quando o senso comum e, como diz Moises Mendes, os jornalistas fofos saudavam a consolidação do liberalismo econômico argentino, a eleição proporcionou o que muitos por lá chamam de um “palizaso” nas pretensões liberais.
Para mim, o resultado não foi nenhuma surpresa. Faz pelo menos três décadas que, por motivos acadêmicos e profissionais, acompanho a economia e a política do país vizinho. Ademais, costumo viajar regularmente pelas mais diversas planícies, montanhas, “pueblos” e “capitales” da Argentina. Para um observador, minimamente cuidadoso, o resultado era previsível. Ainda mais quando se tem o privilégio de olhar de fora.
Mas o que me leva a questionar é o quanto o efeito Brasil influenciou na decisão do voto do cidadão argentino. Em minha opinião, o efeito Bolsonaro teve uma influência significativa. Parto de um ponto. Qual é a visão do argentino sobre o Brasil? Quando me apresento como brasileiro, interagindo com as pessoas que me atendem pelo caminho, a absoluta maioria atenciosa, diga se de passagem, ouço a seguinte expressão: – Ah, Brasil, o mais grande do mundo. Os Argentinos têm uma visão que somos a potência econômica da América Latina.
Outro fator é de que a Argentina tem um sistema de comunicações que considero muito mais democrático e regulado que o brasileiro. O número de veículos televisivos e imprensa escrita é bem mais pulverizado do que o nosso. Esta pluralidade tem demonstrado que a circulação de ideias e posições políticas é bem mais ampla do que em terras onde reinam os Marinho, Macedo, Seu Silvio e mais meia dúzia de famílias que detém o oligopólio da mídia. Os fatos que se sucedem aqui são, sim, objeto de repercussão no cotidiano da mídia argentina. E não é apenas em Buenos Aires ou nas regiões de fronteira. Vale para o país.
As declarações dos nossos mandatários repercutem na Argentina. E não há dúvida que as posições do presidente brasileiro Jair Bolsonaro repercutiram fortemente na eleição argentina. Fernández e Cristina sabem muito bem o que representa Lula na política latino-americana. Sou testemunha. Mais uma vez, aqueles que repetem que o Brasil é o mais grande do mundo não hesitam em perguntar sobre o que passou com Lula. Esta pergunta geralmente vem carregada de um interesse que vai além da simples curiosidade. Vem carregada de um sentimento de respeito e admiração pelo líder brasileiro.
Mas, tentando avaliar a influência brasileira na Argentina, tomo como base os resultados eleitorais nas duas províncias que fazem fronteira com o Brasil, no caso, Corrientes e Misiones. Embora periféricas economicamente e com pouco peso eleitoral, os resultados são emblemáticos.
Como já é sabido, Fernández venceu as eleições com um percentual de 48,1% dos votos contra 40,4%, de Macri. Em tempo, em minha opinião, Macri é o Aécio deles. Os dois são playboys. A diferença entre eles é o patrimônio. Aécio se constrói sobre um patrimônio político oligarca, Macri se constrói sobre um patrimônio econômico de uma das maiores fortunas de seu país.
Contabilizados os resultados, se verifica que na província de Misiones, onde o “misionerismo,” uma força política local, se aliou a Fernández e Cristina garantindo um resultado com margens bem mais ampliadas do que a média do país. Em Misiones o resultado foi de que Fernández alcança 57,6% dos votos contra 34,0% de Macri. Nos departamentos (áreas administrativas que congregam vários municípios) fronteiriços o resultado é ainda mais contundente. Macri venceu apenas na Capital Posadas, obtendo derrotas acachapantes no interior. E há de se considerar que historicamente a Union Civica Radical, que se tornou uma força conservadora, era muito forte na província. Não se observa que tenham obtido algum êxito significativo.
Já na província de Corrientes, o resultado foi 50,8% para Fernández e 42,2% para Macri. E, outra vez, em departamentos como Santo Tomé, Paso de los Libres e Alvear, os quais mantém intensa relação fronteiriça com o Brasil os resultados atingiram entre 57 e 60% dos votos em favor de Fernández e Cristina. Naquela província, Macri não venceu em nenhum departamento.
O que concluo com isso: o voto dos argentinos foi influenciado pelo Brasil sim. Principalmente sob o seguinte aspecto: “Aquilo que está do outro lado do majestoso rio Uruguai, eu não quero para mim”. Viva la vida!