Eu penso, logo sou. (Coluna "Prisma", de Maria Thereza Veloso)


Imagem de mural produzido pelo artista Bansky

07/10/2018

Texto original disponível AQUI!


 

Eu penso, logo sou. Bom dia.

Não desaprendi a arte de sonhar e a determinação para mudar.

 

01
Neste domingo, a Nação irá ao encontro da retomada do seu destino. Quero crer que teremos a serenidade para discernir. O que melhor convém ao País? Avançar ou recuar na caminhada civilizatória que aos poucos nos foi lapidando, fazendo-nos cidadãos construtores de diálogo e respeito mútuo, seja entre iguais e dessemelhantes se somos retalhos de um tecido só?

 

02
Ouvi, outro dia, alguém afirmar ser impossível, nos dias atuais, sintonizar canais abertos de televisão, ler manchetes de jornais, analisar chamadas garrafais em capas de revistas semanais de (des)informação e outros “quetais”. A razão é simples, vulgar até, assim como se tornou cotidiana a convivência com a hipocrisia, a corrupção, com tanto desrespeito ao indivíduo.

 

03
Para qualquer lado que olhemos, se os nossos são olhos de ver, percebemos que há uma enxurrada de fatos e opiniões que parecem conduzir a sociedade a um beco sem saída. São tantas as pressões psicológicas ou econômicas mesclando-se, numa espécie de geleia geral, com preconceitos e moralismos decadentes patrocinados por interesses escusos que, como já constatou Rui Barbosa, o que se vê é o triunfo das nulidades e o poder se agigantando nas mãos dos maus. Esta é, portanto, não a hora do desânimo e da capitulação. Esta é a hora da indignação. Indignação. Contra os profetas do caos. Contra os semeadores da desesperança. Contra os trombeteiros do quanto pior, melhor. Contra os assassinos da utopia. Contra os saqueadores de sonhos.

 

04
Quem não sonha não tem razão para ultrapassar suas limitações. Uma sociedade que não tem utopias não tem objetivos pelos quais avançar. Perdoem-me os afeitos à descrença. Sou antiga. Não desaprendi a arte de sonhar. Ela me aponta o caminho e na sua poeira me envolvo, sem medos, nem desamparo. E avanço sobre mim mesma, faço dos cacos pedras para ladrilhar. Já disse isso em “Cacos” e quem me leu sabe do que estou falando, entende o porquê de eu estar ainda a caminho:

 

05

Que é da lâmina,
fendas abrindo
no chão dos espantos?

Que fazer
do tempo sem frestas,
do corpo sem sangue,
da alma sem veios?

Sob o céu,
sobre cacos,
destrói-se
a paixão.

E o homem.” (MTV)

 

06
Sobreviver em tempos incertos não é para os fracos ou para os indiferentes e acomodados. É, antes, o lento e sempre pertinaz trabalho dos tecelões de sonhos que sonhamos acordados para fazê-los reais. “Sonhar é ciência que requer estudo. Escolar / releio o mundo e sonho com a história e o povo”, já poetou Affonso Romano de Sant’Anna, em “Que país é este e outros poemas”. Esses dois versos são de “A arte de sonhar”, que traz outras pérolas, como estas, por exemplo: “- Como proteger o sonho em caixa-forte/ contra gazuas e assaltos, e como evitar que nas ruas/ escape do tiro e morte?” É vital juntar os cacos, iluminar os desvãos, cuidar da nossa paixão pela liberdade, pela preservação da vida e da dignidade humana. Consciência e bom voto!