Alfabeto para entender a vitória do chavismo na Venezuela

28 de maio de 2018

O chavismo voltou a ganhar as eleições na Venezuela. São 22 de 24 eleições celebradas no país desde o triunfo do comandante Chávez em 1998, triunfo que inauguro a mudança de época da América Latina. 

Nicolás Maduro foi reeleito presidente da Venezuela
 
 
Em um claro exemplo de dissonância cognitiva, uma boa parte da opinião pública internacional, incluindo a esquerda, não consegue entender porque se a Venezuela é uma ditadura, em meio a uma guerra civil se celebram eleições em paz, sem mortos e com resultados parecidos, em participação e apoio ao vencedor, com outros processos eleitorais do continente.


 
Vamos fazer um breve alfabeto para tentar compreender o que aconteceu:

C de chavismo

Este abecedário não começa com a letra A, mas sim com a C de chavismo, que mais do que um conceito teórico, é uma teoria de ação coletiva, plebeia, levada à prática. Sem o chavismo político e sociológico, selvagem nas palavras de Reinaldo Iturriza, não seria possível entender não a revolução bolivariana, mas a resistência heroica aos ataques políticos, econômicos e midiáticos contra um processo, ataques que começaram com a vitória de Chávez, mas se recrudesceram com sua morte em 2013.

E de Eleições

Celebradas em um ambiente de total calma e tranquilidade, e garantidas por um sistema eleitoral que a própria União Europeia avaliou, e que o ex-presidente estadunidense Jimmy Carter considerou como “o mais seguro do mundo”. É necessário destacar que o processo para votar só se abre mediante uma impressão digital, única, de cada pessoa, que permite realizar um voto eletrônico em uma máquina que, por sua vez, emite um recibo e este é introduzido em uma urna. Ou seja, o processo tem três mecanismos de segurança que o convertem em extremamente seguro e confiável diante de qualquer auditoria.

F de Falcón

Henry Falcón, o segundo candidato (dos 3 que haviam, 1 oficialista e 3 de oposição) mais votado, demonstrou que se pode ser opositor, planejar medidas que supõem um regresso à doutrina de shock neoliberal, e competir eleitoralmente sempre que se faça de maneira democrática e não violenta. Outra coisa muito distinta é que o povo venezuelano fosse dar a vitória a um candidato que defendia abertamente a dolarização da moeda.

M de Maduro

A ofensiva chavista que permitiu vencer em 20 dos 23 estados do país e obter mais de 300 prefeituras, assim com as eleições da Assembleia Constituinte, não teria sido possível sem a liderança de Nicolás Maduro. É necessário recordar que o atual presidente venezuelano não só foi um grande dirigente sindical desde os tempos que Chávez tentou um golpe civil-militar em 1992, mas foi também deputado, constituinte e o melhor chanceler que teve a Alba, durante seu cargo de 6 anos.

G de Guerra Econômica

Estas eleições foram realizadas em meio a uma hiperinflação e especulação cambiária induzida, situação somada à queda dos preços de petróleo que passaram de 120 para 20 dólares por barril em questão de meses, e a corrupção presente em todo governo onde se movem quantidades milionárias em contratos públicos (do México à Argentina). A diferença é que outros presidentes não resistiram ou não foram reeleitos, como foi Nicolás Maduro.

O do Oposição

Estas eleições são a derrota da oposição, com V de violenta. A oposição violenta que assassinava pessoas nas guarimbas ou queimava vivas por serem pobres, negras e/ou chavistas. Apostaram em uma estratégia de confronto violento, estratégia que tem sido derrotada por um povo organizado, que castigou eleitoralmente o chavismo nas eleições legislativas de 2015, mas não deu aval eleitoral, nem político, ao confronto violento e golpista.

S de Santo Domingo

Seguimos esperando que um dia venham à luz os acordos de Santo Domingo que chegaram a ser firmados, e que se explique à opinião pública internacional porque a oposição venezuelana, depois de ter concordado com a delegação do governo em 6 pontos, incluindo a celebração de eleições e o reconhecimento do resultado, nunca se sentou para assinar e ratificar o acordo.

U de United States

Assim, no idioma do império, para entender a forma de pensar de um país que tem feito do imperialismo sua doutrina política, econômica e militar; de um país que enquanto se cerca de muros e expulsa imigrantes, semeia bases militares na América latina e impulsiona golpes de Estado; de um país cujo Comando Sul acredita ter jurisdição sobre países que defendem sua soberania política, econômica e territorial. O imperialismo hoje está mais presente que nunca na Venezuela (considerada perigo para a segurança nacional dos Estados Unidos), e o objetivo é claro: o petróleo, o gás, a columbita-tantalita e otros recursos estratégicos venezuelanos.

Z de Zapatero

A agressão sofrida pelo ex-presidente espanhol José Luís Rodrigues Zapatero, nada suspeito de chavista, em um colégio eleitoral onde votam as classes altas de Caracas, retrata a oposição venezuelana. Uma oposição com traços fascistas que tem sido derrotada politicamente, mas que ainda conta com alto poder de fogo para continuar a guerra econômica e midiática.

Este pequeno abecedário vai nos ajudar a entender o que aconteceu neste domingo (20), onde o chavismo se impôs de forma sólida (quase 6 milhões de votos, frente aos menos de 2 milhões obtidos por Falcón) a uma oposição dividida. Mas é necessário estar atentos, a estratégia envolvente que vem agora passa tanto pelo reconhecimento do resultado eleitoral e isolamento internacional da revolução bolivariana, como por um processo de desestabilização para tentar ganhar mediante a violência o que não puderam ganhar nas ruas.

O governo venezuelano tem muitos defeitos, como todos os governos do mundo, mas o povo venezuelano tem falado nas ruas e dado um voto de confiança a Maduro para resolver uma crise econômica induzida. É claro que o chavismo tem mais apoio que o projeto opositor que tem como objetivo a volta ao neoliberalismo e isso é o único que deveria nos importar; respeitar a soberania política, econômica, territorial e popular de um povo informado e politizado, que ainda com a necessária crítica e autocrítica, não quer voltar ao passado.

 

*Katu Arkonada

participou como observador e acompanhou o processo eleitoral venezuelano. Análise enviada a partir de Caracas na noite de 20 de maio e publicada originalmente no jornal mexicano La Jornada em 21 de maio de 2018.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia/311242-1