Algo não está saindo como a direita quer: sobre as últimas pesquisas de intenção de voto

11 de junho de 2018
Autor: Jorge Branco (Sociólogo, mestre e doutorando em Ciência Política)

Até que ponto um personagem tem o poder de sobrepujar seu criador?

O escritor inglês Conan Doyle é o criador do personagem Sherlock Holmes. Insatisfeito com a proporção da fama de sua criatura, o autor chegou a “matar” Sherlock Holmes em um dado momento, mas a reação dos leitores foi tão negativamente forte à morte do detetive que Doyle foi obrigado a “ressuscitá-lo” em outra aventura.

Esse é o mesmo dilema da direita brasileira. A pesquisa de intenção de voto, publicada pelo Folha de São Paulo, dia 10 de junho, não aponta grandes novidades. As respostas continuam demonstrando três aspectos constantes: Lula continua sendo o preferido dos eleitores, Bolsonaro está consolidado e os demais candidatos politicamente estagnados, ainda que seus índices de intenção de voto variem.

O que aproxima a trama brasileira do impasse de Conan Doyle é que a direita conservadora, embalada na ganância dos rentistas internacionais interessados nas reservas de petróleo e na captura da renda pública através do superávit financeiro, mergulhou de cabeça em uma golpe contra os governos progressistas e populares de Lula e Dilma e não consegue mais voltar a superfície a não ser através de seu personagem que encarna o líder “contra a política e os políticos”. O que lhe pode custar muito caro, no futuro, ao gerar um governo que aprofunde a crise do regime e a instabilidade política.

A aliança formada pelo rentismo internacional, empresariado nacional, oligopólio privado da mídia e a alta burocracia estatal, estabeleceu uma estratégia de desdemocratização do Brasil e eliminação da resistência popular para tomar o controle, exclusivo, do governo e de suas políticas econômicas. Essa aliança construiu uma pauta política que levou ao crescimento da rejeição ao sistema político e à política. Essa rejeição se tronou a pauta central da equação eleitoral brasileira.

A construção discursiva da corrupção como a causa da crise econômica e de perspectivas sociais, foi meticulosamente realizada ao mesmo tempo em que a sonegação de impostos e os altos juros bancários, verdadeiros desvios da renda pública, foram ocultados. A grande vitória política da direita, até aqui, foi construir uma justificativa política aceitável, aos olhos da sociedade, para o golpe do impeachment e o prosseguimento da ‘operação lava jato”: a corrupção produzida pelos políticos, em especial pelo PT. Ocorre que isso não está sendo suficiente para sustentar os efeitos recessivos das políticas do seu governo. Essa aceitação vem regredindo na percepção dos brasileiros, as pesquisas demostram alta rejeição ao governo Temer e um crescimento da ideia que o combate à corrupção é uma ação farsesca.

As pesquisas de intenção de voto, por sua vez, estão a demonstrar um duplo efeito derivado do papel de partido político, intelectual orgânico, da classe dominante que o oligopólio das empresas de mídia cumpre no país, através de uma constante cobertura de caráter declaratório e indutivo.

O golpe foi dado, após isso o problema para a direita brasileira passou a ser o que pôr no governo, em substituição a Temer para garantir a continuidade da implantação das políticas concentracionistas, com maior legitimidade social e menor resistência popular.

A mídia quer convencer os eleitores brasileiros de que Lula não será candidato e que a política, de modo geral como é no Brasil, é a culpada de todas as crises do país. Esta construção política está levando a um impasse, haja visto que Lula mantém altos índices de intenção de voto ao mesmo tempo que as alternativas classistas orgânicas, o que se costuma chamar de “confiáveis para o mercado”, não se consolidam. Até agora, as baixas intenções de voto em candidatos do PSDB e PMDB se mantém.

O efeito, não controlado, dessa política é o crescimento do sentido antissistema na opinião dos eleitores, o que leva de arrasto para o fundo a direita tradicional, como sabemos oligárquica, patrimonialista e secularmente vinculada ao poder no país.

Há uma forte disputa entre as classes dominantes no campo conservador-retrógrado. A direita tradicional é vista como representação do “status quo” do sistema político e, por isso, é acossada por uma direita de caráter autoritário e antissistêmica. A ascensão da direita autoritária está baseada no combate simbólico “a tudo que está aí” e no crescimento das condutas fascistas e ditatoriais. Neste quadro que se deve entender a candidatura do Bolsonaro. Uma candidatura não prevista pelo núcleo dirigente da grande burguesia brasileira e que cresce em decorrência desta hegemonia política retrógrada.

Assim como os leitores de Doyle que amaram mais seu personagem do que a ele, grande parte do eleitorado prefere odiar a política e ao que se refere a ela como a democracia e “os políticos” do que aceitar as alternativas eleitorais conservadoras tradicionais. Em parte isso explica a consolidação da intenção de voto em Bolsonaro.

A estabilização do Bolsonaro deve-se ao fato dos eleitores conservadores transitarem para sua candidatura e ao foto de os eleitores convencidos pela mídia sobre as razões que ela oferece como causas da crise, sobre a necessidade de uma candidato contra a política e os políticos, verem nele esta imagem. Neste quadro que vai se consolidando a desidratação das candidaturas da direita tradicional.

O problema da direita se amplia pela força eleitoral do Lula. Não basta à direita dizer que Lula não poderá ser candidato, seu imenso eleitorado está disposto a votar nele ou, na hipótese de seu impedimento, a votar em quem ele indicar. A pesquisa revela que 30% dos eleitores dizem que votariam em candidato indicado por Lula e outros 17% dizem que podem votar, somando importantes 47% dos entrevistados dispostos a ouvi-lo.

A grande operação para impedir que Lula seja vencedor nas eleições, em primeiro lugar, envolve impedi-lo de ser candidato, mas de igual valor ou mesmo maior, no que diz respeito à importância política, está convencer o eleitorado de que ele não será, efetivamente, candidato. A pesquisa aponta uma diminuição na intenção espontânea de voto em Lula, o que já pode ser efeito desta operação política, mas analisada em conjunto com os indicadores que demonstram que a capacidade de influenciar de Lula é altíssima, não garantem à direita seu objetivo de eliminar o favorito da disputa, tampouco a possibilidade dele, de um modo ou outro, se sair vitorioso na disputa.

Neste contexto, a manutenção da candidatura de Lula passa a ter dois sentidos chaves no tabuleiro da política. De uma parte, busca organizar o campo democrático de corte popular em uma candidatura forte que poderá ser a sua própria, no caso de setores do centro considerarem que os riscos de uma aprofundamento da crise lhes é pior do que um governo progressista do Lula e abandonarem a impugnação a ele. De outra parte, simultaneamente, agregar força para constituir uma base política para uma candidatura que seja a expressão direta da política do próprio Lula, ou seja visto pelos eleitores, que tem intenção de votar nele, como seu candidato.

Desta forma, as candidaturas que se posicionam ao centro deste debate, como Marina Silva e Ciro Gomes, poderão ser engolidas por buscar apresentar uma imagem equidistante dos dois polos desta agenda pós-golpe, marcadamente antissistema, seja com viés autoritário, como Bolsonaro, seja com viés popular como Lula.

Jorge Branco

Sociólogo, mestre e doutorando em Ciência Política