Artigo | Autoritarismo da Lava Jato gestou a lei de abuso de autoridade e o juiz de garantias

7 de janeiro de 2020
Autor: Carlos Wagner

Carlos Wagner – Jornalista

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Nós jornalistas estamos caindo na lábia do grupo fora da lei da força-tarefa da Operação Lava Jato. Nas últimas semanas, eu tenho acompanhado os conteúdos dos jornais, sites, rádios e TVs abertas, e notei que, de uma maneira muito sábia, vem sendo repetido nos noticiários que as leis que instituíram o abuso de autoridade e o juiz de garantias no Brasil vão dificultar o combate à corrupção. Mais ainda: é deixado nas entrelinhas que o fato de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não ter vetado o artigo do pacote anticrime que criou o juiz de garantias, contrariando parecer do seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi uma maneira de ajudar o filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que é investigado por corrupção.

O que não estamos lembrando ao nosso leitor? O que vem sendo publicado no site The Intercept Brasil. Desde do meio do ano de 2019, o site vem divulgando mensagens do aplicativo Telegram nas quais o então juiz Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), trocou informações de maneira ilegal com os procuradores da República na Lava Jato, principalmente com o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol. Conchavos também foram feitos entre Dallagnol e jornalistas, que resultaram em prejuízos para a defesa dos réus, com vazamentos criminosos para a imprensa de informações parciais sobre os investigados. Além do site há uma fartura de reportagens criticando o uso da prisão preventiva como instrumento de pressão para forçar os réus a fazerem delação premiada. A soma de todos esses fatos é o útero que gerou as leis de abuso de autoridade e do juiz de garantias. É o que salta aos olhos analisando os acontecimentos que enfileirei. Sou um velho repórter, 69 anos, 40 de profissão e 30 e poucos em redação de jornal focados em reportagens sobre conflitos.

Se cavarmos na história veremos como é perigoso para o jornalista repetir informações sem contextualizá-las. Sobre o assunto há um livro que é leitura obrigatória para quem começa na profissão de repórter: A Primeira Vítima, de Phillip Knightley, sobre correspondentes de guerra. Knightley diz que a primeira vítima em um conflito é a verdade. O livro foi publicado em 1978 e continua muito atual. Bem como as palavras do Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha Nazista (1933 a 1945): “Repita uma mentira várias vezes que ela acaba se tornando uma verdade”. A técnica de contaminar os conteúdos dos noticiários com meias-verdades não nasceu hoje. Ele vem longe e tem sido aperfeiçoada com o tempo. Nos dias atuais, as redações se tornaram um presa fácil nas mãos dos manipuladores de informações porque operam com efetivo reduzido de jornalistas que ganham um dos salários mais baixos da história e têm uma enorme carga de trabalho. Portanto, não têm tempo de apurar as informações. Se não fossem as denúncias do The Intercept Brasil, até hoje o lado fora-da-lei da Lava Jato não seria conhecido.

Nas minhas palestras para estudantes de jornalismo e nas redações do interior do Brasil tenho dito que o jogo político nunca foi tão complexo como é hoje. E nós estamos tendo grandes dificuldades de entender o que acontece por desconhecimento de quem são os jogadores. O governo é formado por pelo menos três grandes grupos políticos: Bolsonaro & filhos; ministro da Economia, Paulo Guedes; e Moro, que abandonou a carreira de juiz pela pasta da Justiça e Segurança Pública. Bolsonaro, Guedes e Moro são mestres na arte de vender suas ideias. Tenho dito nas minhas palestras que o combate à corrupção é um processo irreversível que se iniciou com a democratização do país em 1985. A Lava Jato não inventou essa luta. Ela foi criada por esse processo. É simples assim.