As reformas de Leite são o bolsonarismo em ação (Artigo de Tarso Genro)

12 de outubro de 2019
Autor: Tarso Genro

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Os lucros dos 4 maiores bancos do país subiram 21,3 por cento no segundo trimestre de 2019. Nos últimos 12 meses, os bancos lucraram 109 bilhões, o maior valor em 25 anos, segundo informa o distinto Banco Central. Impossível deixar de ligar estes fatos “financeiros”, no bojo do que Piketty chamou de “hiper-financeirização” da economia (combinada com “perda de soberania), com dois outros acontecimentos recentes: a vitória do Governo moderado de Antonio Costa, nas eleições portuguesas, e as reformas propostas pelo Governador Leite, aqui no Rio Grande.

Porque a vitória de Costa desmente a fatalidade do “caminho único” das reformas de destruição do Estado Social -hoje pregadas pela direita unidas ao neo-fascismo- e mostra que as reformas do Governador Leite (pintadas como solução para crise do Estado pelos gurus neoliberais) são o caminho do desastre. Estes caminhos já foram testados por Governos anteriores da mesma ideologia e redundaram em mais precatórios, mais dívida pública, além do desmonte das funções sociais do Estado, particularmente na educação, na saúde e na segurança pública.

Ambas as escolhas políticas -de Antonio Costa para manter seu entendimento com a União Européia e do Governador Leite (para “salvar” o Estado da ruína) – foram opções políticas liberal-democráticas, mais próximas do padrão socialdemocrata (Costa), ou mais próximas do fascismo liberal-rentista (Leite).

Suas escolhas, todavia, no contexto do controle mundial que o capital financeiro exerce sobre os estados endividados, geram resultados significativamente diferentes: o projeto de Antonio Costa gera mais paz social, mais emprego, mais diálogo dentro da democracia política; o projeto do Governador Leite, seguidor de Bolsonaro e seus sequazes “Chicago Boys”, gera violação de direitos, desemprego, milicianismo e acumulação de riqueza, nos estratos superiores do rentismo que tenham condições de proteger-se na ciranda financeira global.

O Governo Antonio Costa não rompeu com os padrões financeiros da União Européia -impostos pelo Banco Central alemão- mas conseguiu produzir uma série de políticas internas soberanas, com alianças políticas originais: conseguiu uma forte redução do desemprego (de quase 50 por cento em 4 anos!), bloqueou uma parte dos barbarismos contra o setor público português, aumentou o poder aquisitivo dos assalariados de baixa renda e reduziu o déficit público, deixado em alta pelos governos conservadores anteriores.

A coalizão política que dá sustentação ao Governador Leite defendeu a eleição de Bolsonaro, apoiando sem hesitação a proposta de Paulo Guedes, de tirar um trilhão dos mais pobres com a reforma da previdência e viabilizar, portanto -com o seu projeto suicida e homicida- a potencialização do lucro dos banqueiros, para o país “voltar a crescer”. Este compromisso do Governador Leite com o projeto bolsonariano é que lhe leva, inapelavelmente, às reformas que propõe, após um aumento brutal da dívida pública e o fracassado “dever de casa” de Sartori”.

Para que pudéssemos chegar a este estado de coisas foi necessário opor à democracia social em experimento, – a partir de 88 – uma desconfiança radical com a política, que levou uma grande parte da sociedade ao isolamento e à depressão: um refluxo pelo medo de um destino incerto, que recém começa a sua superação.

A política, como experiência humana virtuosa, corrupta, grandiosa, dramática por vezes, sempre foi -com continuidade nas guerras, revoluções, golpes, acordos de concertação- a forma através da qual os humanos foram construindo e aperfeiçoando -no seu contraditório- a civilização moderna.

Aqui no Brasil, os traços de identidade com a vida comum foram rompidos pelos fascistas, naquele dia marcante em São Paulo, quando a Presidenta Dilma foi ofendida com chavões de baixo calão – estimulados pela mídia tradicional- que se tornaram, então, um modo de fazer política. Através das redes, onde as taras organizadas de fora para dentro do país permitiram a eleição de um Presidente que odeia a política, a representação liberal-democrática foi sendo substituída pela democracia direta da perversão anônima endinheirada.

“Do homem” -diz Maria Rita Kehl, no seu texto “Depressão e Imagem do Novo Mundo”-  “a máquina de moer carne capitalista aproveita até o berro: os depressivos, porém, não oferecem nem isso. Os depressivos não berram. Seu silêncio, seu recolhimento, sua falta de interesse por todas as ofertas de gozo em circulação, fazem do depressivo a expressão do ‘sintoma social’ contemporâneo. O depressivo, como no verso do poeta suicida Torquato Netto, desafina o coro dos contentes nesta primeira década do século XXI”.

Os contentes, neste país, estão regidos pelos banqueiros cuja menção abre este pequeno artigo indignado. E os depressivos – cujo destino certo vemos com frequência mendigando nas esquinas da cidade – adotarão os exemplos dos índios equatorianos?  Ou pensarão como o Governador Leite, que imaginou poderia governar o Estado com decência e razão, apoiando indecentes e fascistas, para governar o país?

Uma foto que circulou nas redes mostra uma trabalhadora argentina, apeando de uma bicicleta para fazer uma entrega – com seu bebê junto ao peito como uma mochila – talvez num prédio de Buenos Aires. Não importa onde, nem importa o que ela entrega. O que importa é que este é o mundo que os bilionários do globo querem nos oferecer de imediato. E o fazem quando explodem os lucros dos bancos e os bebês  da nova Idade Média vão para o mercado perfeito, com suas mães que se deslocam em busca do pão na fúria das cidades. E carregam os pequenos muito próximos dos corações cansados, nos seus minúsculos veículos de tração humana. Como na Idade Média

 

Tarso Genro

foi governador do Estado do Rio Grande do Sul,

prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça,

ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.