Movimentos e organizações reforçam mobilização por derrubada de vetos ao PL 735

14 de dezembro de 2020
Autor: Marcos Corbari

Congresso poderá pautar Lei Assis Carvalho na próxima quarta-feira (16) e derrubar vetos impostos por Bolsonaro

 

Derrube-se os vetos de Bolsonaro ao PL 735, ou assuma-se a responsabilidade pelo agravamento da fome no Brasil. Esse é o mote que movimentos sociais e organizações ligadas ao campo têm afirmado desde que Bolsonaro vetou a maior parte dos itens aprovados pelo congresso no Projeto de Lei 735. Denominada Lei Assis Carvalho, a peça legislativa propunha ações emergenciais em socorro aos agricultores familiares e camponeses que têm sentido os impactos da pandemia do novo coronavírus e a desestruturação das políticas públicas voltadas ao setor. Ao todo, 14 dos 17 pontos do PL foram vetados pelo presidente.

“O veto ao PL 735 fez com que a fome aumentasse, fez com que a inflação dos alimentos aumentasse no Brasil inteiro”, denuncia o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Görgen. “Uma das causas da inflação é a falta de produto e os governos Temer e Bolsonaro quebraram, desmontaram os principais instrumentos que apoiavam os pequenos agricultores a produzir os alimentos que vão para a mesa de todos”, completa. Para ele não adianta esperar que o agronegócio vá produzir alimentos para o povo, uma vez que se dedica prioritariamente às commodities.

A Lei 14.048/20 Assis Carvalho é resultado da mobilização dos trabalhadores da agricultura familiar e camponesa, contando com ampla mobilização das organizações e movimentos sociais do campo, das águas e das florestas, elaborada, discutida e aprovada conjuntamente. A autoria do texto é do deputado Enio Verri (PT-PR), tendo agregado 26 projetos com relatoria do deputado Federal Zé Silva (Solidariedade-MG). Na Câmara e no Senado Federal, a aprovação foi quase unânime, contando inclusive com o apoio de parlamentares da base de apoio do governo.

“Bolsonaro já foi cruel, espero que os deputados e senadores brasileiros não participem dessa crueldade”, emenda Görgen. Para ele, se os vetos não forem derrubados pelo Congresso, “a gente vai poder dizer que a fome que vai atingir milhões e milhões de lares teve a caneta do Bolsonaro, mas também vai ter a caneta e a senha de senadores e deputados brasileiros”. Apreciação e derrubada dos vetos é o que o dirigente espera para esta quarta-feira (16), na sessão conjunta que reunirá deputados e senadores.

Derrubar os vetos é o que se espera do parlamento

No mesmo sentido se manifesta a dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Justina Cima. “A agricultura familiar e camponesa historicamente garante o alimento do povo brasileiro, produzindo cerca de 75% de todo alimento diversificado e saudável que chega à mesa do povo”. Segundo ela, essa é uma justificativa mais que suficiente para que o Estado olhe para os pleitos dos pequenos com respeito, incentivando para que mulheres e homens que estão no campo sigam cumprindo com sua missão de produzir alimentos. “Mas ao contrário disso, o governo Bolsonaro tem se mostrado insensível, irresponsável com estas questões”, completa.

A importância da adoção de medidas emergenciais para o setor agrícola familiar e camponês tem sido reconhecida pelos parlamentares. Porém, a apreciação dos vetos – que podem ser confirmados ou derrubados em sessão conjunta do Congresso – corre o risco de ficar de fora das pautas previstas nesta quarta-feira. Se os vetos não forem derrubados agora, corre-se o risco da lei ficar inviabilizada pelas complicações que decorreriam de sua implementação em 2021. Inicialmente a apreciação dos vetos estava prevista para meados de outubro, mas foi postergada até agora.

Outro agravante que se soma à situação de risco social e sanitário derivados da pandemia é o evento climático que está se impondo nos estados do sul, onde a produção familiar e camponesa está sendo perdida por conta de um prolongado período de estiagem. O que indica problemas mais graves à frente, como escassez e preços elevados no mercado.

“Nós conclamamos a todos, porque a questão da produção de alimentos para enfrentar a fome, para organizar o estoque, para termos soberania alimentar, precisa ser uma responsabilidade do Estado e de toda sociedade”, afirma Justina. “Nós pedimos o apoio da sociedade e apelamos aos deputados e senadores para que usem da sua sensibilidade e da sua inteligência para derrubar esses vetos, para ajudar a fazer com que o governo brasileiro aprove essas medidas e para que possamos continuar produzindo e oferecendo para toda sociedade brasileira os alimentos tão necessários neste momento”, completa a dirigente camponesa.

O desmonte das políticas públicas

A categoria agrícola familiar/camponesa tem denunciado reiteradas ações de desmonte de políticas públicas por parte do governo federal: a extinção do Plano Safra específico para a setor, a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e dos Conselhos que discutiam e propunham melhorias na política pública, o sucateamento de órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), bem como o fechamento de 27 unidades armazenadoras da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

De acordo com a Companhia, em dados publicados no site em agosto de 2020, havia em estoque 21.592 toneladas de arroz, 28 toneladas de farinha de mandioca, zero de estoque de açúcar, 31 toneladas de café e zero de estoque de feijão. Ao comparar com a safra de grãos 2019/2020, dados de setembro 2020, observa-se 11,2 milhões de toneladas de arroz; 3,3 milhões de toneladas de feijão; 102,5 milhões de toneladas de milho; 124,8 milhões de toneladas de soja.

De acordo com o Censo Agropecuário 2017, a agricultura familiar é a base da economia de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes. Além de ser responsável pela renda de 40% da população economicamente ativa do país e por mais de 70% dos brasileiros ocupados no campo.

Principais destaques do PL 735 vetados por Bolsonaro:

– Auxílio Emergencial de R$ 3.000,00 para os agricultores familiares que não tenham ainda recebido o auxílio emergencial, divididos em cinco parcelas de R$ 600,00. Para as mulheres o valor do recurso será em dobro (R$ 6.000,00).

– Fomento Emergencial de Inclusão Produtiva Rural, com valor de R$ 2.500,00 por unidade familiar ou de R$ 3.000,00 se for para mulher agricultora familiar.

– Valor de R$ 3.500,00 para tecnologias sociais como as cisternas no Nordeste, barragens subterrâneas, entre outras

– Linha especial de Crédito Emergencial com valor até R$ 10.000,00 com taxa de juros: 1% ao ano e prazo para contratação de até 12 meses frente o fim do decreto de calamidade da pandemia, com prazo de pagamento de 10 anos e 3 anos de carência. Até 20% do recurso poderá ser utilizado para manutenção familiar. Para a mulher agricultora beneficiária desse crédito, a taxa de juros será de 0,5% ao ano e haverá um bônus de 20% se o pagamento da parcela for feito em dia.

– PAA-E (Programa de Aquisição de Alimentos Emergencial, para doação simultânea, com procedimentos simplificados e desburocratizados): Valor de até R$ 4.000 (sendo R$ 5.000,00 para a mulher agricultora).

– Dívidas de entregas de PAA não realizadas em função da pandemia poderão ser quitadas mediante entrega de produtos a entidade assistencial definida pelo poder público.

– Prorrogação de dívidas: Prorrogação para um ano após a última prestação do vencimento das parcelas de Crédito Rural (Pronaf e outros) e do Crédito no âmbito do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), que venceram ou estão vencendo entre 1 de janeiro de 2020 e o final da calamidade da pandemia.

– Concessão do Benefício Garantia-Safra.

 

Marcos Antonio Corbari
Edição: Marcelo Ferreira
Brasil de Fato | Porto Alegre (RS)

* Com informações do MPA, MMC e Contraf


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