O que aprendi em dois dedos de proza com Jose Alberto Mujica Cordano, o Pepe


Há personagens e personagens. Alguns entram pela história através das portas da infâmia, outros são conduzidos pelo abraço do povo. Alguns passam a vida e legam a memória a defender verdades extremas, outros compreendem logo que a vida é dinâmica e as verdades de hoje podem rapidamente se transformar nas contestações do amanhã. Pepe Mujica, ex-presidente e atual senador no Uruguai pertence ao segundo grupo, em ambos apontamentos. Em março, pouco antes dele participar de um ato público em Rivera/Santana do Livramento, onde conversou com os ex-presidentes Lula e Dilma (do Brasil) e Rafael Corrêa (do Equador), tive uma oportunidade ímpar de trocar dois dedos de prosa informalmente com Pepe, assim mesmo, sem pronome de tratamento, como ele solicitou. Nada de chamá-lo de “presidente” e muito menos de “don”.

Onde foi que erramos? Indaguei ao complementar uma explanação de um colega uruguaio que o acompanhava e recém relembrara a ascensão do conservadorismo em boa parte dos países latino-americanos. “Ninguém acerta sempre”, respondeu, com a humildade que lhe é característica. “Precisamos aprender com nossos erros e evitar errar de novo”. Por alguns minutos ele nos falou da necessidade de se projetar governos de matriz popular, de reaproximar as pessoas que se apresentam como líderes da vida cotidiana de suas bases, de romper o isolamento das instituições e o aparato do poder. Em nenhum momento se apresentou como modelo, mas era impossível olhar para aquele homem pequeno, idoso, aparentemente frágil, que percorreu o caminho da luta e do cárcere até alcançar o cargo de maior importância no seu país, implementando medidas ousadas que colocaram seu Uruguai em uma espécie de vanguarda progressista.

Voltou à palavra “erro” e nos surpreendeu ao inverter as posições e colocar os dois jornalistas na condição de entrevistados: “as pessoas estão felizes?”, indagou. Silêncio e constrangimento. “Não!” – arrisquei responder. A maior parte, pelo menos não. Assim fechamos o primeiro dedo de prosa. O segundo, traria a sua réplica, que em seguida seria também proferida para alguns milhares de atentos admiradores, uruguaios e brasileiros, na sua fala pública. Primeiro me explicou que a ideia de antever que uns estão menos felizes enquanto outros estão mais é um dos erros que cometemos. Ou aprendemos a conviver e desenvolvemos empatia uns pelos outros, ou seguiremos nesse ciclo de conflitos que parece nunca ter um norte final.

– Não posso acreditar que o embate seja a resposta, que viver continuamente em choque seja a resposta, isso não pode ser bom para qualquer sociedade -, disse. “A resposta eu acredito que está em aprender a tolerar, a conversar, a negociar o que for preciso, compreender o que é necessário”. Para Mujica o principal é ter em mente a possibilidade de se viver com tranquilidade. É a saída para o seu Uruguai? Para o nosso Brasil? Bandeiras nessa conversa são desnecessárias. “É o grande desafio para toda nossa América Latina”. Sim! Ainda há quem creia na Pátria Grande! Antes de rabiscar a assinatura em minha camiseta, onde o desenho de uma flor rompe a firmeza do ferro de uma bigorna para brotar cor onde só havia tons cinzentos, ele ergue os olhos e sorri: “Não acredito em avanços com ódio. Com ódio só retrocedemos”. Não foram mais do que cinco minutos de conversa, mas não pude ainda, passado alguns meses, ponderar o tamanho do aprendizado. Gracias, Pepe.

Marcos Corbari – Jornalista

Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Integrante do coletivo de comunicação Rede Soberania